Est. June 12th 2009 / Desde 12 de Junho de 2009

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domingo, 13 de outubro de 2013

Meditações - simulacros de Primavera

[...] Rompera alegre a madrugada de um dos mais belos dias do Outono.

O orvalho gotejava ainda das folhas das árvores sacudidas pela brisa matinal, e as gotas límpidas e oscilantes pareciam metamorfosear-se em rubis, safiras e esmeraldas ao refractar os raios da luz solar.

Era encantador o aspecto da colina naquela manhã; semelhava a donzela que, brincando, desenfiou o seu colar de brilhantes e os soltou em desordem pelos cabelos, pelo seio e pelo regaço, de onde, ao menor movimento, lhe rolam até caírem no chão.

Os primeiros calores do dia erguiam já dos vales o sendal de névoas que os envolvera, e, dissipando-as na atmosfera, temperavam de tintas mais suaves o azul-escuro do céu.

Sobrepostas às serranias que limitavam o horizonte, divisavam-se grandes massas de nuvens, cujos reflexos à luz oriental lhes dava a aparência dos altos gelos que coroam as cristas das montanhas.

Iludidas por estes simulacros de Primavera, as próprias plantas pareciam renascer. A seiva afluía-lhes de novo aos ramos despidos, e desenvolvendo-lhes os gomos, revestia-as de folhas, desabrochando- -lhes os botões enfeitava-as de flores, e os insectos, surgindo uma vez ainda do letargo incipiente  adejavam em torno à corola humedecida que lhes patenteava os nectários.

Sorria a natureza ainda, mas havia o que quer que era meigo e melancólico naquele sorrir. Eram como as alegrias plácidas do enfermo, vítima de uma doença fatal, a quem a mais efémera remissão fez conceber os prazeres da convalescença, mas sem que o possa iludir.

Ameaças permanentes no meio desta tranquilidade geral, eram, no horizonte, as nuvens, como aguardando só por um sinal para invadirem o espaço, e um rumor longínquo e monótono que de quando em quando os ventos traziam aos ouvidos, como o grito de fera aprisionada — a voz profética do mar pregoando tormentas durante a bonança que momentaneamente reinava.

A vida do campo manifestava-se toda nas eiras e nos celeiros onde se entesouravam as riquezas do lavrador.

Risos, cantares, vozearias confusas, com que por toda a parte na planície se acompanhavam os diferentes trabalhos das colheitas, chegavam, como mal distinto burburinho, ao alto da colina, onde em compensação reinava o silêncio solene e imponente, silêncio não absoluto, porque falam os bosques e as torrentes, porque falam as aves e os insectos; mas em que se não ouve a voz humana — o silêncio da solidão. [...]

Júlio Dinis, in Serões da Província, Uma flor de entre o gelo

3 comentários:

João de Castro Nunes disse...

Dias há de primavera
que o outono fazem lembrar,
como o contrário se espera
algumas vezes se dar!

JCN

João de Castro Nunes disse...

Dias há de primavera
que o outono fazem lembrar,
como o contrário se espera
algumas vezes se dar!

JCN

João de Castro Nunes disse...


Ver a natureza dar
fora do outono castanhas
equivale a propalar
nada mais do que patranhas!

JCN