Reportagem sobre a Baselworld 2013, no Fora de Série Especial Relógios do Diário Económico:
Baselworld 2013 – a grande festa
O relógio do mundo
Fernando Correia de Oliveira, em Basileia
O ano relojoeiro começa sempre algures entre Março e Abril. É em Basileia que se marca o ritmo de uma indústria que vive horas de euforia. O maior certame do mundo renovou-se. Com arquitectura de primeira.
A 24 de Março do próximo ano voltam a abrir-se as portas da Baselworld, a maior feira de relojoaria e joalharia do mundo e, na mente de muitos dos habituais visitantes, a questão que se porá é: será que se consegue superar a histórica edição de 2013?
Histórica, por vários motivos. Desde logo, todo o espaço do certame foi renovado, num investimento de muitos milhões de francos suíços, e no âmbito de um projecto do gabinete de arquitectura Herzo & de Meuron, de Zurique. Os célebres arquitectos têm obra um pouco por todo o mundo e “o ninho”, o Estádio Olímpico de Beijing, é apenas o seu mais conhecido cartão de visita. Em Basileia, a renovação da feira implicou uma gigantesca passagem aérea sobre uma praça com peões e eléctricos, com uma espécie de buraco de bolo a dar luz natural ao espaço inferior. No cimo, essa passagem aérea serviu para quase duplicar a área de exposição entre os dois principais halls.
Histórica, também, a edição 2013 da Baselworld, dado que foi atingido um novo recorde de visitantes - 122 mil (mais 17 por cento que em 2012); e de jornalistas - 3.610 (mais 9 por cento).
No interior, a diferença foi ainda maior do que no exterior. Mais de mil dos 1.460 expositores, de 40 países, renovaram os seus stands, também envolvendo investimentos avultados.
O preço do m2 aumentou nesta nova Baselworld e houve marcas que não conseguiram aguentar a parada. Daí o facto de o número de expositores ter diminuído em 20 por cento face ao recorde do ano anterior.
Com mais espaço disponível e menos expositores, “quem teve unhas, tocou a guitarra”. Ou seja, as grandes marcas, os grandes grupos de luxo, marcaram posições geoestratégicas, procurando aumentar o mais possível o tamanho dos seus stands, coloca-los em sítios mais visíveis e em zonas de maior prestígio.
Durante os meses que antecederam a abertura da Baselworld 2013 houve negociações duras, guerras mais ou menos surdas entre as marcas. No final, como de costume, venceram as mais poderosas.
No final, o resultado foi o afastamento de algumas marcas independentes do Hall 1 – onde todos querem estar; a revolução geopolítica beneficiou os grandes grupos (Swatch Group, LVMH, Kering).
Os 122 mil visitantes e potenciais compradores vieram de 100 países, confirmando Baselworld como a principal feira do mundo em termos de Relojoaria e Joalharia.
François Thiébaud, CEO da Tissot e Presidente dos expositores suíços, sintetizou o que se passou a 25 de Abril, quando a feira abriu portas e mostrou o que tinha mudado: “Foi um acontecimento brilhante. Com isto, começou um novo século para a indústria relojoeira”.
Thierry Stern, Presidente da Patek Philippe, alinhou nesse ponto de vista: “O sentimento geral foi excepcionalmente positivo”. Sintomaticamente, porém, aquela que é considerada como a melhor marca de relógios do mundo, não renovou o seu stand (que tinha estreado há apenas 3 anos, diga-se). Uma filosofia conservadora, “calvinista”, que lhe dá, afinal, o respeito unânime de pares e consumidores.
O Swatch Group (o maior do mundo em termos de relojoaria, com um portefólio que vai de Breguet a flik flak e passa por Blancpain, Jaquet Droz, Omega, Logines, Tissot, Certina, Glashutte Original, Hamilton ou Hamilton) já tinha uma posição preponderante no rés-do-chão do Hall 1. Estava com os seus stands no centro. Agora, passou a estar nesse centro, mas ocupando também as alas laterais. Neste espaço vital “costa a costa”, todos os stands foram renovados. A mais recente aquisição, surpreendente, a norte-americana Harry Winston, permaneceu, também com stand novo, no primeiro andar do Hall 1, onde estão, de qualquer modo, as principais marcas relojoeiras e joalheiras de no segmento alto da Moda.
A edição 2013 da Baselworld foi ainda histórica pelo facto de a Swatch, marca que deu depois o seu nome ao grupo, estar pela primeira vez presente. Com estratégia de comunicação muito especial, com uma rede própria de pontos de venda muito forte, a Swatch nunca achou estratégico estar presente na maior feira de um sector que ajudou a resgatar, quando se lançou, há exactamente 30 anos, fazendo face à ameaça japonesa do quartzo.
Mas, este ano, a marca comprou um espaço gigantesco, em frente ao Hall 1, que baptizou de Planet Swatch. Realizou ali uma série de exposições sobre as três décadas de história, promoveu eventos e… apresentou um novo relógio, revolucionário em termos de conceito industrial, o Sistem51, de que falamos noutras páginas deste suplemento.
Guido Terreni, Director Executivo da Unidade de Relojoaria da Bvlgari, mostrou-se “impressionado com o novo edifício”, que dá aos expositores “a oportunidade de fazer as suas apresentações com a mais alta qualidade”. Para ele, a Baselworld “é agora um genuíno evento de luxo”.
A Bvlgari foi recentemente adquirida pelo grupo LVMH, o maior do mundo em termos da indústria do luxo. O seu portefólio já tinha os “pesos pesados” relojoeiros TAG Heuer e Zenith e fora também recentemente reforçado com a Hublot. Além disso, dispõe da Dior, um dos grandes no sector da relojoaria de moda e joalheira. Na Baselworld 2013, a Bvlgari entrou para o Hall 1, com um stand novo, quando antes estava mesmo fora da feira. E todas as outras marcas, igualmente no mesmo espaço (a Dior, no 2º piso), renovaram os seus stands, com investimentos avultados.
Françoise Bezzola, Vice-Presidente para a Comunicação da TAG Heuer, sublinhou: “A nova localização e o novo stand serviram melhor quem nos visitou. Baselworld está, definitivamente, na Primeira Liga”.
O outro grande evento, em termos de feiras relojoeiras, é o Salão Internacional de Alta Relojoaria, que ocorre todos os anos, em Genebra. Este certame nasceu em 1991, numa reacção do então Grupo Vendôme (hoje Richemont) àquilo que considerava serem condições deficientes que Basileia dava a expositores, compradores e jornalistas. Essa “dissidência” seguiu o seu caminho, mas nunca conseguiu atrair mais do que 20 marcas, quase todas elas pertencentes ao Richemont (que é o mais importante em termos de Alta Relojoaria, com marcas como Cartier, Van Cleef & Arpels, A. Lange & Söhne, Piaget, Vacheron Constantin, Panerai, IWC, Jaeger-LeCoultre ou Montbanc).
Duas marcas que estiveram até 2012 presentes na Baselworld – a Girard-Perregaux e a JeanRichard – fazendo parte do grupo Sowind – regressaram este ano alo evento que tinham abandonado há duas décadas. Isto porque foram adquiridas pelo grupo Kering. Na geometria variável dos “grandes”, estas duas marcas, juntamente com a Gucci Watches, que também pertence ao Kering, entraram para o espaço do Hall 1, igualmente com avultados investimentos em stands. Robert Buchbauer, CEO da Swarovski, estava eufórico no final da feira. “Baselworld 2013 foi para nós uma plataforma excepcional. Para isso, em muito contribuiu o nosso stand, que teve um conceito inteiramente novo e, com isso, atraiu um número recorde de visitantes, vindos de todo o mundo”.
Na verdade, o espaço da Swarovski dificilmente passaria despercebido. Aproveitando a tal “chaminé” criada pelo gabinete Herzog & de Meuron, a marca especialista em cristais criou a toda a volta do buraco um stand de três andares, envolto por completo por uma parede de sete metros de altura e 155 metros de circunferência. Esta parede era composta por 253.231 reflectores imitando cristal, com 60 mm de diâmetro cada um. Destes, 22.856 estavam munidos de luz LED, com o conjunto a imitar a estrutura do cristal de vidro. Um projecto do arquitecto japonês Tokujin Yoshida.
“Este foi um ano excepcional para nós”, explicou Luc Perramond, CEO de La Montre Hermès. “Inaugurámos um novo stand, da autoria de Toyo Ito. O espaço reflecte a filosofia da nossa marca de uma maneira total”.
As escolhas da Hermés, em relação a colaboradores, costumam ser muito cuidadas. E, mais uma vez, acertou. O arquitecto japonês, que esteve presente na inauguração do stand, tinha sido meses antes o Pritzker 2013, considerado o oscar da Arquitectura (e de que Portugal já tem dois galardoados – Siza Vieira e Souro Moura). “Como foi contratado antes, ficou um pouco mais barato”, brincou Guillaume de Seynes, Presidente de La Montre Hermès e Administrador da Hermès. O stand Hermés foi, claramente, um dos vencedores da feira. O japonês interpretou os valores fundamentais da marca, com estruturas de madeira, montadas à mão, obtendo assim um ambiente ao mesmo tempo leve e acolhedor, aberto e íntimo, no meio da agitação geral.
Concebido para ser tão efémero como permanente, o stand foi montado para a Baselworld e totalmente desmontado, peça a peça, no final. Para voltar a ser montado na edição de 2014 (como, aliás, todos os outros, com mais ou menos dificuldade, já que o espaço da feira é usado para outros eventos, ao longo do ano).
Mas esta estrutura é especial. Trata-se de uma caixa, com 34 metros de comprimento e 19 de largura – 1.040 m2, o dobro da área do stand anterior. Tem um esqueleto de aço, onde se apoia a estrutura de madeira (624 vigas de faia – 288 direitas e finas; 336 curvas). No meio destes dois corpos, uma espécie de estufa, onde estão colocadas 167 plantas verdes. O design é “orgânico”, com as formas a lembrarem ondas, numa dinâmica que pretende criar “um círculo permanente de criatividade”.
Toyo Ito foi buscar a inspiração nas tradicionais casas de chá japonesas. “Joguei com as pontes possíveis entre diferentes eras e formas, entre património, estilo popular e experimentalismo”, explica. Ele é o líder da chamada escola de arquitectura que procura a osmose entre edifícios e natureza.
Last, but not least, o novo stand Rolex. O gigante global da relojoaria ocupa em Basileia, desde há muitos anos, o espaço em frente do da Patek Philippe. Para se entrar no sanctum sanctorum, todos os anos, é preciso atravessar estas verdadeiras “Colunas de Hércules” independentes da indústria.
Como já dissemos, a Patek Philippe optou por aproveitar o seu stand, relativamente novo. A Rolex renovou. Nas suas próprias palavras, fê-lo “à imagem do estatuto e dos valores da marca líder da relojoaria suíça”. Em termos de espaço ocupado, é um dos maiores. Impõe-se pelo tamanho, mas também pelas soluções arquitectónicas tanto no exterior como, sobretudo, no interior. Numa característica muito Rolex, tudo foi feito in house, como os relógios. A equipa permanente de arquitectos e designers da marca encarregou-se do stand.
Segundo eles, o espaço “reflecte as últimas tendências estéticas do mundo Rolex, traduzidos na utilização de novos materiais, de novos elementos decorativos característicos dos relógios da marca e de novos motivos de inspiração aquática e referência ao mar”, o meio ambiente de eleição do Oyster, o modelo histórico Rolex que continua a ser o campeão de vendas.
São 1.230 m2, ou seja, mais 40 por cento que o anterior, com três pisos, e uns imponentes 9 metros de altura. O espaço útil interior duplicou, sem ocupar mais no solo, dado que o crescimento foi para cima. Com bar e restaurante, o stand Rolex é, hoje como ontem, um mundo à parte. Pela primeira vez, a outra marca do grupo, a Tudor, teve direito a um stand separado.
As cores bronze e verde, no exterior; o pastel e o castanho escuro, novamente com o verde Rolex, no interior, dominam o ambiente. Com apontamentos de azul, na tal evocação permanente do Oyster. A Rolex está presente na feira de Basileia desde 1939. Estreou-se com um stand de 30 m2. Entretanto, muitos relógios da marca passaram por cima dos balcões de joalharias e relojoarias de todo o mundo para os pulsos de milhões de consumidores.
Sylvie Ritter, Directora Executiva da Baselworld, definia-nos assim, à laia de balanço, a edição deste ano: “Com esta feira, marcámos novos parâmetros, que reforçaram o carácter único do evento”.
Para ela, “não há nada comparável em todo o mundo, na indústria de artigos de luxo”, prometendo “fazer o que estiver ao nosso alcance para que, em 2014, a nossa posição de liderança seja ainda mais reforçada”.
Definitivamente, 2013 foi um ano mágico para a Baselworld. A fasquia está muito elevada. Encontro marcado para 27 de Março. Para saber se será ainda possível ultrapassar o nível atingido.
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