Reportagem no Fora de Série Especial Relógios 2013 - o Escape Constante da Girard-Perregaux:
Girard-Perregaux apresenta escape de força constante
Bzzzzzz vence o tic-tac
Fernando Correia de Oliveira, em Zurique
Há algo de verdadeiramente novo no reino da relojoaria. O escape de âncora suíço, rei e senhor durante séculos, vê o seu império ameaçado por uma lâmina seis vezes mais fina que um cabelo. Muda o som do tempo.
Há quem diga que as grandes invenções relojoeiras ocorreram no chamado século de ouro, entre 1750 e 1850. Todo o que se seguiu foi miniaturização ou melhoramento. Na verdade, e no que diz respeito à relojoaria de pulso, a corda, o trem de rodagem e, entre eles, o órgão regulador (volante / espiral / escape de âncora), desempenham desde há muito os papéis respectivos de fonte de energia, a sua transmissão aos ponteiros e sua divisão regular em intervalos de tempo. O resultado sonoro disto tudo – tic-tac, tic-tac, tic-tac, tic-tac… - o ruído do vaivém feito pela âncora, é a onomatopeia que define o próprio conceito de relógio.
Ora, a Girard-Perregaux, manufactura relojoeira cujas raízes remontam a 1791, com as suas mais de 80 patentes, tem a tradição de inovar. E, com um novo tipo de escape, acabou com o tic-tac.
Mas vamos por partes. Foi em 2008 que a ideia do Escape Constante foi pela primeira vez apresentada em público, equipando alguns protótipos. Foram precisos cinco anos mais de pesquisa e desenvolvimento para que, em termos de cronometria, se fizesse história.
Estivemos em Zurique, onde a Girard-Perregaux, que hoje faz parte do grupo de luxo Kering, apresentou em primeira mão os relógios de série equipados com este tipo novo de escape, com três patentes. Foi, sem dúvida, um dos acontecimentos do ano relojoeiro.
Por um lado, este novo escape atinge um isocronimso muito superior ao normal. Por outro lado, gasta menos energia e de forma uniforme. Do ponto de vista estético, estamos perante uma peça que parece evocar o mundo de Batman e da sua Gotham City.
Materiais high-tech e uma tecnologia de ponta, passando pela utilização de uma lâmina de silício, com 14 microns de espessura (6 vezes mais fino que um cabelo), permitiram que a teoria passasse à prática.
Dois tambores de corda (no interior, molas com um total de 3 metros de comprimento), permitem uma autonomia de aproximadamente uma semana , mostrada por um indicador linear de reserva de corda. O que fazer com tanta força acumulada? A Girard-Perregaux resolveu um dos santos graal da relojoaria mecânica, conseguindo a sua libertação sem flutuações.
O escape de âncora suíço, usado hoje em praticamente toda a relojoaria apenas consegue distribuir a energia recebida da corda, que vai diminuindo com o tempo. Esta energia, que influi na exactidão de um relógio, é demasiado rápida com a cordas toda, demasiado lenta no final da carga.
O princípio de um escape de força constante é o de equalizar a energia vinda do tambor de corda, transmitindo-a sem flutuações à roda de balanço. Para conseguir isso, os relojoeiros da Girard-Perregaux tiveram a ideia de integrar um dispositivo intermédio no escape. Ele consiste nessa lâmina extremamente fina, que armazena a energia recebida até um ponto de instabilidade e, num instante, a passa instantaneamente. Começando um novo ciclo.
Parece complicado, mas percebe-se melhor quando se disser de onde surgiu essa ideia. Um dos mestres relojoeiros da manufactura, no seu caminho matinal de casa para o trabalho, brincava com o bilhete de comboio, entre o polegar e o indicador. Com o indicador da outra mão, empurrava o bilhete. Observou que, a dado momento, depois de acumular energia, o bilhete se dobrava para um lado. Achou que estava ali uma forma de acumulação e libertação de energia que podia vir a ser usada num relógio…
A lâmina, ondulando ao ser pressionada por duas rodas com três saliências cada uma, vão regulando o fluxo de energia. Deixa de haver âncora e… o tic-tac. Aliás, a Girard-Perregaux tem um problema – quer certificar o seu relógio como cronómetro, mas o COSC, organismo independente que gere essa certificação, fá-lo através de aparelhos que medem acusticamente o tic-tac (frequência, neste caso, 21.600 vibrações por hora, ou 3 Hz). Ora, não havendo esse ruído sincopado, mas antes um bzzzzzz contante, a manufactura estuda a hipótese de financiar novas máquinas para que o COSC lhe certifique qualidades cronométricas que ultrapassa sem dificuldade.
O Girard-Perregaux Haute Horlogerie Constant Escapement tem caixa de 48 mm, de ouro branco. Para dar o protagonismo no mostrador ao escape de tipo novo, com a armadura em forma de asas de borboleta, as horas e os minutos ocupam um submostrador, às 12 horas. Os dois tambores de corda deste calibre de carga manual (MVT-009100-0007) ladeiam o conjunto, numa estética futurista. O indicador de reserva de corda está às 9 horas.
No evento de Zurique, a Girard-Perregaux apresentou-se oficialmente como parceiro official da Academia de Holywwod, colaborando na construção do novo Academy Museu of Motion Picture, cuja inauguração está prevista para 2016. O projecto do edifício é dos arquitectos Renzo Piano e Zoltan Pali e albergará mais de 140 mil filmes, 10 milhões de fotografias, 42 mil posters originais, além de 10 mil desenhos de adereços e outros objectos.
Em troca, a Girard-Perregaux fica com acesso a esse acervo, podendo utilizá-lo nas suas campanhas de comunicação. Não poderia ter começado melhor – já corre mundo um, com a imagem de Alfred Hitchcock.
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