Est. June 12th 2009 / Desde 12 de Junho de 2009

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segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Meditações - vento de Outono

Fugi, andorinhas; em mais longes plagas
Buscai outras praias, florestas e o céu,
Que é triste o bramido que soltam as vagas
E um vento pressago nos bosques gemeu.

Fugi, namoradas das flores e estrelas,
Olhai: estes campos sem flores estão,
E cedo os espaços, à voz das procelas,
Sinistros, cerrados, sem luz ficarão.

Fugi, apressai-vos, alados viajantes,
Em bandos ligeiros os mares cruzai.
Por outros países, por selvas distantes,
Mais flores e aromas, mais luz procurai.

Deixai estes montes, de neve c'roados,
As selvas despidas, e as folhas sem cor,
As grossas torrentes e os troncos quebrados
E os vales cobertos de denso vapor.

E quando, mais tarde, na verde campina,
As rosas voltarem com viço a florir,
E as serras, despidas da intensa neblina,
Virentes, formosas, se virem surgir;

E quando deslizem na praia arenosa
Mais lentas, mais brandas, as vagas do mar
E das laranjeiras de copa frondosa
Caírem as flores do chão do pomar;

E quando fugirem, informes, pesadas,
As nuvens sombrias que se erguem do sul.
Correndo dispersas e em flocos rasgadas
Nos plainos imensos de um límpido azul;

Voltai; nova quadra de amores vos chama;
Dos climas distantes pra estes parti;
Então tudo é vida, já tudo se inflama,
Há luz, há perfumes, faltais vós aqui!

Voltai, que de novo serão florescentes
As selvas, os prados, o monte, os vergéis;
Quietas as brisas, as águas dormentes
Nos lagos tranquilos de novo vereis.

Só eu, que vos sigo com vistas saudosa
Ao vosso desterro, dos mares além.
Já quando no prado brotarem as rosas,
Talvez não reviva co'as rosas também.

Ai, não, não revivo, que o vento do Outono
Gemendo angustiado nas brenhas do vai,
Convida-me ao leito do plácido sono,
E as nénias entoa do meu funeral.

Eu morro ! Na chama do Sol que declina,
Bem sinto o presságio dum próximo fim.
Se um dia voltardes à vossa colina,
ó doces amigas! lembrai-vos de mim;

Daquela que, triste, vagando no olmedo,
O adeus da partida vos veio dizer.
Quem sabe das campas o oculto segredo?
Talvez vossos cantos eu possa entender.

Talvez que, ao ouvir-vos a queixa sentida
Quebrando das noites a triste mudez,
À sombra dos cedros da escura avenida
Acorde, a escutar-vos ainda uma vez.

Júlio Dinis, in Serões da Província

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