Na noite em que não durmo
Não dorme
O relógio também.
Pus na alma esvurmo.
É enorme
O que a treva contém.
Podridão da alma, moribundo
Do que me julguei ser,
Ouço o mundo.
É um vento surdo e fundo,
Que do abismo profundo
Vela o meu morrer.
Indiferente assisto
Ao cadaverizar
Do que sou.
Em que alma ou corpo existo?
Vou dormir ou despertar?
Onde estou se não estou?
Nada. É na treva onde fala
O relógio fatal,
Uma grande, anónima sala,
Uma grande treva onde se cala,
Um grande bem que sabe a mal,
Uma vida que se desiguala,
Uma morte que não sabe a que é igual.
13-3-1933
Novas Poesias Inéditas. Fernando Pessoa. (Direcção, recolha
e notas de Maria do Rosário Marques Sabino e Adelaide Maria Monteiro Sereno.)
Lisboa: Ática, 1973 (4ª ed. 1993). - 74.
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