terça-feira, 16 de maio de 2023

Meditações - o relógio não dorme

Na noite em que não durmo

Não dorme

O relógio também.

Pus na alma esvurmo.

É enorme

O que a treva contém.

Podridão da alma, moribundo

Do que me julguei ser,

Ouço o mundo.

É um vento surdo e fundo,

Que do abismo profundo

Vela o meu morrer.

Indiferente assisto

Ao cadaverizar

Do que sou.

Em que alma ou corpo existo?

Vou dormir ou despertar?

Onde estou se não estou?

Nada. É na treva onde fala

O relógio fatal,

Uma grande, anónima sala,

Uma grande treva onde se cala,

Um grande bem que sabe a mal,

Uma vida que se desiguala,

Uma morte que não sabe a que é igual.

 

13-3-1933

Novas Poesias Inéditas. Fernando Pessoa. (Direcção, recolha e notas de Maria do Rosário Marques Sabino e Adelaide Maria Monteiro Sereno.) Lisboa: Ática, 1973 (4ª ed. 1993).  - 74.

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