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segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Há dez anos... mestre relojoeiro Jean-Pierre Delay passava por Lisboa e recordava os seus tempos de professor na Casa Pia


Em 2004, aquando da passagem por Lisboa de mestre Delay

Há dez anos, assinalávamos a passagem por Portugal de Jean-Pierre Delay, mestre relojoeiro suíço que ensinou várias gerações na Escola da Casa Pia de Lisboa. Que, diga-se de passagem está a comemorar em 2014 os 120 anos de existência.

Homenagem a mestre Delay, ex-professor que marcou uma época 

Escola de Relojoaria faz 110 anos

É um aniversário que tem passado despercebido, mas Internacional Horas & Relógios não se esqueceu dele – em 2004 comemoram-se 110 anos sobre a fundação daquela que continua a ser a única escola de Relojoaria do País. Aproveitando a efeméride, falámos com um velho mestre da Casa Pia, hoje reformado – o suíço Jean-Pierre Delay, que foi agora homenageado por antigos alunos.

Fernando Correia de Oliveira

A Casa Pia de Lisboa é fundada no tempo de D. Maria II, em 1780, por iniciativa do Intendente de Polícia do Reino, Pina Manique. A sua actividade, dedicada ao ensino de jovens órfãos e desvalidos, começa com treze alunos, numas instalações ao Castelo de São Jorge.

Só mais de um século volvido, em 1894, e por pressão de Augusto Justiniano de Araújo, mestre relojoeiro genial, inventor de relógios e reparador de muitos outros, se funda a primeira Oficina-Escola de Relojoaria da Real Casa Pia de Lisboa. Um seu amigo, Veríssimo Alves Pereira, também ele inventor de relógios e figura marcante do meio no século XIX português, faz parte do corpo docente inicial.


Augusto Justininao de Araújo, ao centro, na escola de relojoaria da Casa Pia, então instalada no Mosteiro dos Jerónimos (ilustração da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira)


Aspecto da Escola de Relojoaria da Casa Pia, no início do século XX (arquivo Fernando Correia de Oliveira)

Interrompido por várias vezes o ensino da Relojoaria na Casa Pia – essencialmente porque os mestres eram aliciados para trabalharem na iniciativa privada, onde ganhavam muito mais dinheiro (problema que ainda hoje se coloca) – ele viria a ser retomado em 1948, aquando de uma reforma geral do ensino em Portugal. A Casa Pia vai buscas à Suíça o mestre Walter Sutter, que se manterá à frente dos destinos do curso durante décadas. É um dos períodos áureos da escola, que ganha uma série de prémios internacionais no campo da micro-mecânica. Sutter, que entretanto foi trabalhar para A Boa Reguladora, em Vila Nova de Famalicão (o único caso de fabrico de relojoaria nacional que ainda hoje sobrevive), foi sendo substituído na Casa Pia por mestres portugueses ou suíços. Casado com uma portuguesa, Sutter faleceu há escassos meses, na Suíça. A situação da manutenção dos relógios suíços sempre preocupou a Federação Helvética e Portugal era um caso onde as coisas tinham, entretanto, piorado – isso dava mau nome ao produto suíço.

Em 1963, um acordo de cooperação técnica entre a Casa Pia e um consórcio criado entre a Federação Relojoeira Suíça e o Grupo Ebauches SA (movimentos não trabalhados), marca o início de uma nova e decisiva fase: a Escola é completamente reequipada com investimento do consórcio e, mais importante do que isso, manda para Portugal um jovem relojoeiro de talento, que tinha tido a vantagem de já ter trabalhado no Brasil e, por isso, saber falar português.

Jean-Pierre Delay (Genebra, 1933), frequentou o Colégio Calvino da sua cidade natal, fez estudos profissionais na Escola de Artes e Ofícios, secção de Relojoaria e, em 1954 – há exactamente meio século, era dado como Relojoeiro.

Dado o seu talento, é contratado desde logo para uma das mais míticas manufacturas – a Patek Philippe. De 1957 a 1958 está no Brasil, a trabalhar para a Empresa Brasileira de Relógios, em São Paulo (propriedade do português Dimas de Melo Pimenta, outra figura importante do século XX relojoeiro nacional). De 1958 a 1963, Delay trabalha num dos mais requintados estabelecimentos do ramo em Genebra, o Richard, responsável pelo serviço pós-venda. De 1963 a 1972, trabalha para a Federação Relojoeira Suíça, em Bienne, e para a Ebauches S.A., em Neuchâtel. “Estas duas organizações confiaram-me, de Setembro de 1963 a Julho de 1969 a direcção do Centro Técnico de Lisboa, a funcionar na Casa Pia”, recorda Delay.

Durante esses quase seis anos, Delay forma cerca de uma centena de relojoeiros, mas faz também cursos de aperfeiçoamento por todo o país, incluindo os Açores e a Madeira. “Tive a oportunidade de conhecer o Presidente da República, todos os dirigentes do sector de relojoaria e ourivesaria de Portugal, retalhistas, coleccionadores, dei-me muito bem com o Provedor da Casa Pia, contactei com o dr. Américo Marinho, director da Belora (título especializado que existiu durante 30 anos, até 1975)”, diz-nos mestre Delay.

De Lisboa, Delay seguiu para Nova Iorque, como consultor técnico do Watchmakers of Switzerland Information Center. De novo em Genebra a partir de 1972, é responsável do departamento de Relojoaria de outra casa de prestígio, a Maison A. Collet S.A.. Como chefe de serviço pós-venda mundial, está na Pulsar, uma associada da Time Computer Inc., de Lancaster, Estados Unidos. Volta à casa Collet, de 1977 a 1980 e, de 1980 a 1984 trabalha como director da joalharia Eden, comprada em 1982 pela casa FRED. De 1984 a 1997 está na Eurocard, Telekurz. Reforma-se ao fim de 43 anos de actividade.

Voltemos aos anos 60 do século passado. Na sua comissão de serviço em Lisboa, Delay tem que escolher um adjunto. “Os relojoeiros que trabalhavam nos vários estabelecimentos de Lisboa e que eu pude examinar não respondiam aos critérios exigidos pela Suíça”, diz. “Assim, decidi escolher um aluno que saísse da Casa Pia, que eu pudesse ensinar e formar à minha maneira. E a minha escolha não podia ter sido mais feliz, ao optar pelo Américo Henriques, então com apenas 15 anos”. Mestre Américo Henriques, com 41 anos de ensino na Escola de Relojoaria, viria a ser, desde 1976, seu principal responsável, até hoje, coadjuvado por outro mestre relojoeiro formado por Delay, Vítor Lopes, num “tandem” que também se mantém.

Vindo de uma família de altas tradições relojoeiras – o avô e o pai foram figuras conhecidas no meio e até mesmo inventores de movimentos – Delay, casado, com duas filhas e três netos, dedica hoje, com a mulher, toda a sua vida à família, ao jardim. “E, para me entreter, vou reparando um ou outro relógio antigo, mas dos grandes, que a vista e a mão já não chegam para os relógios de pulso”.

Tendo muito boas recordações de Portugal, Delay e a mulher visitam sempre que podem o país, vão ao Algarve, passam por Lisboa, consideram Américo Henriques como sendo da família (são padrinhos do seu filho mais velho).


Em 1991, Walter Sutter, com Mário Soares, durante uma visita à Casa Pia. Em baixo, com a mulher, junto à sala que tem o seu nome


Desta vez, um grupo de ex-alunos de mestre Delay preparou-lhe uma singela homenagem, concretizada num jantar num restaurante típico da capital. Recordaram-se velhos tempos, peripécias engraçadas. E houve também muita emoção. Jean-Pierre Delay disse a Relógios & Jóias, mesmo antes de o comunicar aos seus ex-alunos, que as suas ferramentas (relíquias de grande valor, algumas vindas do avô e do pai) serão doadas à Escola de Relojoaria da Casa Pia. “Talvez isso seja o início de um Museu”.

1 comentário:

Jaime F. Ribeiro disse...

Olá Fernando,
Uma nota só para lembrar que conheço bem o período entre Mestres Suíços Sutter e Delay, bem como a integração do Américo no processo.
Já agora lembro também que as fotos, que publica, com o Sutter, a esposa e o Mário Soares, foram feitas por mim.
Um abraço
JaimeFR