Agora é verão, eu sei.
Tempo de facas, tempo
em que as cobras perdem os anéis
à míngua de água.
Tempo em que se morre
de tanto olhar os barcos.
É no verão, repito.
Estás sentada no terraço
e para ti correm todos os meus rios.
Entraste pelos espelhos:
mal respiras.
Vê-se bem que já não sabes respirar,
que terás de aprender com as abelhas.
Sobre os gerânios
te debruças lentamente.
Com rumor de água
sonâmbula ou de arbusto decepado
dás-me a beber
um tempo assim ardente.
Poisas as mãos sobre o meu rosto,
e vais partir,
sem nada me dizer,
pois só quiseste despertar em mim
a vocação do fogo ou do orvalho.
E devagar, sem te voltares
pelos espelhos entras na noite acesa.
Eugénio de Andrade (1923 - 2005)
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