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sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Relógios & Canetas Setembro - entrevista em exclusivo a Guillaume de Seynes, Presidente de La Montre Hermès


Guillaume de Seynes, Presidente de La Montre Hermès

Somos mais suíços que os suíços

Fernando Correia de Oliveira, em Basileia

Tempo, estética, história. Uma filosofia assente em independência, no meio de uma indústria de luxo maioritariamente entregue, hoje em dia, nas mãos de grandes grupos de investimento. A Hermès é diferente. Nota-se.

Temos o privilégio de, todos os anos, na Baselworld, manter uma conversa com Guillaume de Seynes, Director-Geral Adjunto da Hermès, quinta geração da família fundadora da casa, Presidente de la Montre Hermès e da John Lobb (sapatos). De 1999 a 2004, Seynes foi CEO de La Montre Hermès, sendo responsável pelo pendor de legitimidade relojoeira que a marca empreendeu desde então. Uma opinião a ter sempre em conta…

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No último exercício, de 2013, a Hermès registou um crescimento mais lento das suas vendas. Isso deve-se a uma demasiada exposição a um mercado como o chinês, que desacelerou no consumo de bens de luxo?

Guillaume de Seynes

Estamos a falar de desaceleração em termos muito relativos. Repare que a Casa Hermès passou de um crescimento de 18 por cento em 2012 para um de 13 por cento no passado… O que até não é mau para uma empresa familiar que desde há cinco anos sofria uma pressão tremenda em termos de crescimento sucessivo forte, algo como nunca tínhamos tido em toda a nossa história. Na China, o crescimento foi mesmo da ordem dos 15 por cento. Para a Hermès, só a Relojoaria desacelerou significativamente nesse mercado, devido às novas leis sobre presentes a dirigentes, mas penso que outras marcas terão sofrido ainda mais do que nós.

Por outro lado, as taxas de crescimento que podemos absorver têm limites físicos. Na marroquinaria, por exemplo, e que é de longe o nosso segmento de negócio mais importante, estamos a contratar 200 artesãos novos ao ano, o que representa cerca de 10 por cento da nossa força de trabalho total. A isso, temos que acrescentar 18 meses de formação. Para fazer os produtos que fazemos, com a qualidade a atenção ao pormenor que mantemos, há limites para o crescimento. Se acrescentarmos a isso o facto de não ser possível encontrar, todos os anos, com aumentos de 20 ou 30 por cento na procura, peles de qualidade, pode-se perceber que a raridade das matérias-primas com que trabalhamos também nos coloca limites. Estamos constantemente a investir em peleiros e tintureiros, mas mesmo assim…

[A Hermès comprou em 2010 duas quintas de criação de crocodilos na Austrália e uma de aligatores na Louisiana]

Finalmente, destaco que em 2013 abrimos apenas mais três novas boutiques no mundo [actualmente 319, incluindo uma em Lisboa], não aumentámos os preços, pelo que o crescimento ocorrido foi totalmente orgânico, de volume puro de vendas. Por isso, não estamos preocupados.

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A Casa Hermés continua a ter um acionista indesejado, o grupo LVMH. Como está a situação?

Guillaume de Seynes

Continua tudo na mesma. O LVMH detém 23 por cento do capital e continua por cá [risos]. Sem poder nenhum, sem participar nas reuniões, sem mandar na estratégia da casa. A família securizou 50 por cento do capital, criando uma holding, bloqueando por 20 anos a venda das acções que detém. Bom… agora só 19 anos… […] Depois, talvez um novo pacto de bloqueiro. O que fará o LVMH com as acções Hermès, é um problema dele, não nosso. O LVMH já foi condenado pelo regulador do mercado bolsista, teve que pagar uma multa pelo modo pouco claro como adquiriu acções nossas. Ainda decorre, num tribunal criminal, uma acção que a Hermés lhe colocou, sobre este mesmo assunto. Mas, repito, mantemos o contolo absoluto da empresa.

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No segmento de Relojoaria, a Hermés sempre se preocupou em basear-se em dois pilares – o estético, com os códigos da casa; o puramente mecânico, relojoeiro. Nos últimos anos, esse último pilar tem vindo a fortalecer-se. Qual a estratégia futura?

Guillaume de Seynes

Nesta Baselworld 2014 apresentamos pela primeira vez um calibre desenvolvido em parceria com a manufactura Vaucher, onde detemos capital. E, sim, esse pilar relojoeiro, mais tradicional, vai sendo acentuado. Mas sempre na linha das chamadas complicações poéticas, e não tanto no das complicações mais clássicas. A Hermés sempre abordou o tempo de forma original, lúdica, mas de utilização clara. É preciso tempo para fazer as coisas como as fazemos. O tempo tem sido sempre nosso aliado, não o vemos como inimigo…

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Nesta Baselworld nota-se também um reforço dos relógios onde são aplicados os chamados métiers d’art. A temática, muito própria, pare-nos mais ocidental que outras marcas, onde a produção de relógios com métiers d’art aplicados parece estar a “fugir” para os gostos do oriente…

Guillaume de Seynes

Começámos a valorizar os nossos conhecimentos em métiers d’art muito antes de outras marcas que hoje apostam nessa linha. Este ano, e face a conhecimentos dentro das empresas do universo Hermès, apresentamos algo de inédito – mostradores de vidro colorido, numa técnica única, dominada pela Cristalaria Saint Louis, que é nossa há 25 anos.

Mesmo nos métiers d’art, temos uma abordagem muito Hermès. Não queremos colocar tudo ao mesmo tempo num relógio só para dizer que os abemos fazer, resultando daí um objecto demasiado carregado e de gosto duvidoso. Preferimos usar uma ou duas técnicas apenas de cada vez, privilegiando formas geométricas, simples, limpas. Até com alguma imprecisão humana. Não buscamos a complexidade pela compexidade.

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O que pensa das novas regras de fornecimento de calibres e peças por parte do Swatch Group?

Guillaume de Seynes

Estamos confortáveis, pois investimos na manufactura Vaucher muito antes desse tipo de limitação se ter colocado [25 por cento do capital, desde 2006, os outros 75 por cento detidos pela família Sandoz, dona da Parmigiani]. Com a Vaucher, vamos conseguir equipar os nossos relógios mais complicados com calibres próprios. Mas a manufactura tem uma produção limitada. Somos um cliente muito antigo do Swatch Group, em calibres tanto de quartzo como mecânicos, e mantemos com ele excelentes relações. Sempre tivemos uma política de integridade – dizendo que um relógio Hermés tem um calibre ETA quando é o caso, sem tentar disfarçar ou dizendo que lhe fizemos modificações… Acho que isso é apreciado pelos nossos fornecedores. Não estamos inquietos quanto ao futuro.

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Finalmente, e face a novas regras do Swiss Made, mais exigentes, como se colocam os relógios Hermès?

Guillaume de Seynes

Somos mais suíços que os suíços! À parte as braceletes de pele, que vêm de França, todos os componentes dos nossos relógios são provenientes da Suíça. Desde há muitos anos que vinha dizendo à Fedderação Relojoeiro helvética que o Swiss Made deveria ser mais exigente. A Hermès, em França, é 100 por cento francesa; na Suíça, é 100 por cento suíça.

Há 76 anos que estamos na relojoaria, sempre com a mesma genuinidade com que encaramos a marroquinaria ou outro produto que ostente a marca Hermès



A Hermès vende cerca de 100 mil relógios por ano, muitos deles com braceletes de pele cosidas á mão e com a lendária qualidade da casa.

Além dos 25 por cento no capital da manufactura Vaucher, a Hermès é dona do fabricante de caixas Joseph Érard e do fabricante de mostradores Natéber.

Os relógios representam apenas cerca de 5 por cento do volume de negócios total do grupo. A Ásia representa cerca de 50 por cento das vendas de relojoaria. Na bolsa, as acções da Hermès valorizaram 175 por cento nos últimos cinco anos. Em 2013, teve um lucro recorde de 1,69 mil milhões de dólares, para um volume de vendas da ordem dos 5 mil milhões de dólares. Trata-se da empresa do sector do luxo com maior taxa de crescimento nos últimos seis anos.

São agora as quinta e sexta gerações dos descendentes de Thierry Hermès, que fundou a empresa em 1837, que estão à frente dos negócios.

Desde 2002 que o grupo LVMH, dirigido por Bernard Arnault, acumulava, secretamente, acções da Hermès. Em 2010, Arnault revelou controlar 17 por cento da Hermès e procurou o controlo da empresa. Os três ramos da família Hermès reagiram e, apesar de as acções terem nessa altura subido 30 por cento, não venderam. Criaram, em vez disso, uma holding, a H51 (com 50,2 por cento das acções). Patrick Thomas, CEO à altura, e não membro da família, teria dito: “se se quer seduzir uma mulher bonita, não se começa por a violar por detrás”…

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