As grandes famílias inglesas há muito estabelecidas na Madeira, ligadas ao comércio e especialmente ao do vinho, entraram naturalmente na história da relojoaria grossa ou de torre local.
Julga-se que as “horas públicas” terão começado a ser dadas na ilha da Madeira a partir da torre sineira da Sé Catedral do Funchal. Isso, mesmo antes de lá haver qualquer relógio. Segundo especialistas da história do arquipélago, o município funchalense contratava um relojoeiro, pago primeiro pela renda da imposição do vinho e depois pelos sobejos dos dízimos da Alfândega.
E que fazia esse relojoeiro? Munido certamente de um relógio mecânico portátil, ou mesmo apenas de um relógio de sol, ele ficava encarregado de bater as horas ou algumas delas, “visto isso ser uma necessidade para estabelecer uma certa regularidade nos serviços públicos e particulares, sobretudo em épocas em que os relógios de parede e de algibeira eram ainda muito pouco frequentes no Funchal”.
O documento mais antigo que se conhece referente a esse funcionário da câmara data de 1713, “mas tudo leva a crer que já no século XVII houvesse um encarregado de bater horas”, diz-nos um trabalho do Centro de Estudos de História do Atlântico (CEHA).
O muito anterior pináculo da torre da Sé do Funchal, de quatro faces e revestido de azulejos após uma recomendação de D. Manuel I, em 1514, ostenta hoje um relógio mecânico relativamente moderno, datado de 1914.
Este relógio foi oferecido por uma das figuras proeminentes dos expatriados britânicos na ilha, o dr. Grabham. Oficialmente oferecido à câmara em sessão em 1914, só chegou à Madeira em 1921, a bordo do vapor Walmer Castle, vindo directamente da Inglaterra. Foi benzido em 1922, tendo assistido à cerimónia o exilado imperador da Áustria, Carlos de Habsburgo.
Este relógio foi substituir um outro mais antigo, fabricado em 1775. Ostentava no seu mecanismo os seguintes dizeres: “Este relógio foi mandado fazer por administração do Ilustríssimo Governador João António de Sá Pereira. Ano 1775. Paulo de França fecit”.
“Em 6 de Agosto de 1776 nomeou a Câmara o primeiro empregado para cuidar do relógio da Sé e, desde então, nunca mais deixou o mesmo relógio de estar a cargo da Municipalidade, que era quem nomeava os relojoeiros”, diz o estudo já citado do CEHA. “Não há nos registos da Câmara nota alguma que explique a maneira como o relógio foi entregue à Municipalidade”.
Em 1823, mandou a Câmara fazer um concerto no referido relógio, que importou em 85 mil réis e foi executado por um tal José Pedro Pereira, serralheiro, que nada levou pelo seu trabalho, “visto ser obra do público, a quem desejava ser útil”. O relógio, diz um documento dessa época, “ficou perfeito, tendo estado para ser abandonado, e em Lisboa ninguém o concertava por menos de 400 patacas”.
Diz-nos o CEHA que “o primitivo sino das horas do relógio da Sé, ignorando-se em que circunstâncias, partiu-se, tendo sido substituído por um outro do extinto convento de S. Francisco, requisitado pela Câmara em 1835”. Pela mesma época, o sino que marcava os quartos do mesmo relógio foi trocado por um sino da igreja do Colégio de S. João Evangelista. O sino partido foi levado á praça pela Câmara e arrematado por 2.400 reis cada arroba.
Os quatro mostradores de pedra do antigo relógio da Sé foram aproveitados para o relógio actual. Os ponteiros, esses, não puderam ser aproveitados, já que não marcavam os minutos (como era habitual para muitos relógios de torre até ao século XIX).
Além da Sé Catedral do Funchal, existem relógios destinados a indicar as horas ao público nas seguintes localidades madeirenses: S. Martinho, Camacha, Santa Cruz, Ponta do Sol, Canhas e Estreito da Calheta. Na torre da igreja paroquial de Machico houve outrora um relógio que deixou de funcionar em 1824 e do qual se terá perdido o rasto.
Para completar este panorama sobre a relojoaria grossa na ilha da Madeira, citemos mais uma vez o estudo do CEHA: “O relógio da igreja de S. Martinho foi inaugurado em 1922; o da igreja do Monte foi adquirido pela fábrica da mesma igreja no tempo do falecido vigário cónego Francisco José Rodrigues de Almada; o da Camacha, que está numa torre no sítio da Achada, e o de Santa Cruz, foram oferecidos, este pelo falecido R. Blandy e aquele pelo Dr. Grabham; o dos Canhas, colocado na levada do Poiso, é propriedade dos heréus desta levada; e o do Estreito da Calheta foi oferecido por um grupo de rapazes naturais dessa freguesia e ausentes na África do Sul”.
Quanto à ilha do Porto Santo, na torre da igreja da localidade existe desde 1899 um relógio adquirido pela Câmara Municipal.
Para saber mais: História do Tempo em Portugal - Elementos para uma História do Tempo, da Relojoaria e das Mentalidades em Portugal (Diamantouro, 2003)
Sem comentários:
Enviar um comentário