[…] Pouco depois de ter completado um ano no governo do
Estado da Índia, o vice-rei acabaria por ser deposto na sequência de um golpe
palaciano liderado por D. Brás de Castro, capitão de Daugim (22 de Outubro de
1653). Vasco de Mascarenhas foi forçado a embarcar para o Reino e Castro
assumiu o governo da Índia.
O Doutor Jorge de Amaral foi testemunha privilegiada e
participante deste acontecimento, que marcou a história da administração
portuguesa da Índia.
De natureza bastante complexa, esta conjura reuniu um grupo
poderoso que, como se chegou a dizer, se insurgiu contra o «mau governo» do
vice-rei. Eis o relato dos factos, contido numa obra clássica, bastante
descritiva e informativa, que, como tal, junta dados que podem ser confrontados
com as cartas de Amaral sobre esta matéria, as quais proporcionam contributos
importantes para uma melhor interpretação do movimento.
Em 1653 vemos sair a campo aberto a dissensões, «não o
governador contra o governador, mas uma turba de facciosos que separados da
massa do povo, arrastam-se pela vertigem da sedição, para deporem o vice-rei D.
Vasco Mascarenhas conde de Óbidos, só porque levado de espírito justiceiro
encetara a mais enérgica e rasgada reforma da pública administração, chamando à
sucessão a D. Brás de Castro que fora o principal caudilho deste desastroso
pronunciamento. […] Eram seis horas da manhã do dia 22 de Outubro do sobredito
ano, quando os descontentes se apinhavam em tumultuoso motim no terreiro da Sé
ao repicar dobrado do seu sino. Com grande aparato marcial a corrente da turba invadia
as casas do Cabido, os Vereadores e os Desembargadores, levaram-nos à sala do palácio
onde entre entusiásticos vivas a El-Rei e à nação pediu-se-lhes a deposição do conde
e a abertura das vias da sucessão. O secretário José de Chaves Sottomayor, que
para escapar à fúria dos amotinados se recolhera à sua casa, foi violentamente
conduzido ao convento de S. Francisco a fim de se abrir o cofre das vias da
sucessão, e depois de quebrado o de pau, a turba correu com o de ferro em
direitura ao paço do Vice-Rei onde em presença de todas as autoridades deviam
ser lidas as vias. Infelizmente, as provisões que foram abertas eram as que
trouxera o conde de Aveiras, que o governo mandava inutilizar substituindo-as
com as que o conde de Óbidos trazia consigo, as quais sendo abertas também eram
incapazes de terem a execução pelo falecimento de todos quantos nelas estavam
eleitos afora Manuel Mascarenhas Homem que fora desapossado do seu cargo de
capitão de Ceilão e vivia ausente de Goa. Então a turba pediu a execução de uma
cláusula que se lia em todas as vias e era, que na falta do governador, fosse
chamado provisoriamente o seu primeiro conselheiro. Este cargo ocupava D. Brás
de Castro que então de propósito ficara em Daugim, exercendo o cargo de
capitão, de onde foi conduzido pelos facciosos com frenético entusiasmo a fim
de assumir a governança da Índia.
[…] Trata-se de outro elemento de perturbação na sociedade
de Goa; as descrições dos viajantes estrangeiros dão conta da extrema violência
e do clima de insegurança, um autêntico «estado de guerra privada» na cidade,
por causa dos cafres que, durante a noite se movimentavam livremente atacando
soldados, «roubando, assassinando e cometendo outros excessos». Esta situação
durou até que o vice-rei D. Filipe de Mascarenhas mandou aos senhores de cafres
que os encerrassem a partir do toque do sino de recolher; todos os que fossem
apanhados na rua seriam mortos pelos soldados. A partir daqui, os soldados passaram
a ser os protagonistas das maiores violências.
In Cartas da Índia – Correspondência privada de Jorge de Amarale Vanconselos (1449 – 1646), de Amândio Jorge Morais Barros
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