[...] Deixa testamento?
Não. Deixo umas pequenas indicações, mas por saudades. Por exemplo, o meu último neto tem 14 meses. Coitadinho, apanhou uma infecção de pulmões, teve de andar com oxigénio... Já não vai saber quem era o avô. Recebi uma condecoração de Timor e estava com uma infecção terrível, ainda estou a sofrer os efeitos. E o meu médico, de quem gosto muito, quando me deixou levantar disse-me: "Ó xôtor, daqui para cima [pescoço] está óptimo, mas para baixo é preciso mais cautela". Só que o presidente da República de Timor convidou-me para ir lá – o único sítio português antigo onde nunca fui. Agradeci mas recusei, dizendo que o meu médico não concedia. Respondeu que levasse uma enfermeira. Tive de explicar que o médico não estava preocupado com a enfermeira, era mesmo comigo. Sabe o que fez, um presidente que nem nunca vi? Mandou cá o Ramos Horta trazer-me a condecoração, que é “Pelos serviços prestados a Timor, aos direitos do homem e à humanidade”. Mandei fazer uma moldura e ficou para o meu neto.
Como se chama esse neto?
Adriano. É o primeiro que se chama Adriano. Guarda-se sempre isso para o filho mais velho, mas ele só teve raparigas. Também já lhe dei o meu relógio. São assim umas coisas, de resto nada. Também não tenho nenhuma fortuna.
E o testamento vital, fez?
Não faço.
Porquê?
É Deus que trata disso. [...]
Da entrevista de Adriano Moreira a Isabel Tavares, em 2017 (aqui)
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