Padres mandarins na corte de Beijing, no séc. XVII
Desde o início que a Companhia de Jesus esteve ligada ao destino de Macau (os três primeiros padres chegaram ao território em 1562). Fundada como resposta de Roma ao movimento da Reforma, a nova ordem religiosa aproveitou a Expansão portuguesa, “colou-se” a ela, onde quer que ela fosse. O Oriente não foi excepção. O objectivo era “conquistar” pela fé aqueles desconhecidos, imensos e superpovoados territórios. E Macau, onde o primeiro bispo “do Japão e da China”, D. Melchior Carneiro, chega em 1568, era a antecâmara do Padroado Português do Oriente (monopólio religioso concedido pelo papa a Lisboa), que ali preparava os seus agentes evangelizadores no contacto com os hábitos e a língua dos gentios. Mas a resistência da China à entrada dos padres era grande.
Um dos religiosos dessa época, Francisco de Sousa, relata que, em 1582, ocorreu um incidente “do qual com maior fundamento se podia esperar serem os portugueses lançados de Macau, que os padres admitidos na China”.
Beijing tinha mudado de vice-rei de Cantão, a província que tinha poder administrativo sobre Macau. O novo mandarim acusava os portugueses de estarem a usurpar a justiça imperial, por levantarem tribunais ou decidirem causas. Além disso, estariam a “meterem estrangeiros em terra firme”, especialmente japoneses e cafres. Mandou o vice-rei que o Capitão de Macau e o seu Bispo, Belchior Carneiro, comparecessem perante si, em Chaoqin, no continente, onde residia. Os portugueses enviaram em nome do Capitão, o Ouvidor; em nome do Bispo, os religiosos Miguel Rugieri e Francisco Pacio.
Depois de um primeiro encontro, aprazível, em que a delegação ocidental apresenta sedas e cristais de presentes ao vice-rei (que as paga), faz-lhe chegar posteriormente a informação de que dispunha de “uma máquina de aço toda de rodas por dentro, que continuamente se moviam por si mesmas, e mostravam por fora todas as horas do dia e da noite, e ao som de uma campainha dizia o número de cada uma delas”.
E, perante a curiosidade ansiosa do vice-rei, dá-se o facto histórico: a 27 de Dezembro de 1582, os italianos Rugieri e Pacio fazem o que se pensa ser a introdução do primeiro relógio ocidental na China. Seria, segundo o que se sabe, um relógio de mediana grandeza, “obrado por excelente artífice”, e mandado da Europa ao padre português Rui Vicente, que o destinou à missão da China.
Apresentado o relógio, nas palavras de Francisco de Sousa, “foi o pasmo igual à novidade, e seria dobrado o gosto do vice-rei, se pudesse acomodar-se ao uso da China, que medindo o dia natural da meia-noite à meia-noite, como nós fazemos, não o reparte em vinte e quatro, senão em doze horas iguais: nem contam as horas por números, dizendo uma, duas e três, mas dão a cada uma delas o seu vocabulário misterioso, e alusivo segundo a sua crença”.
Segundo alguns historiadores chineses contemporâneos, o presente do relógio mecânico ao vice-rei de Cantão foi essencial para lhe ganhar as boas graças e conseguir a permanência dos portugueses em Macau. Sustenta ainda que foram os relógios – e outra mercadoria rara e idolatrada, o âmbar cinzento – que abriram a corte imperial, em Beijing, aos jesuítas, que tinham facilidades de comércio em toda a região.
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