Ante um otium, dedicado ao espaço público (Ágora), onde se praticava e se interagia com os outros nos campos da Política ou da Cultura, havia um nec otium, o para lá do ócio, ou negócio, período dedicado a ganhar dinheiro que permitisse, além de viver, o gozo do ócio.
Primum laborare, deinde philisophare, uma máxima também romana, já é uma alteração ética importante nesse conceito de divisão do tempo, onde se apregoa a lei “natural” de se trabalhar primeiro e se filosofar apenas depois. Afinal, estariam aqui as raízes do conceito de “tempo é dinheiro” introduzido algures no final da Idade Média europeia pela classe burguesa ascendente, e aplicado com todo o rigor pelo pensamento da Reforma, de Lutero ou Calvino.
O que é o Tempo? É aquilo que soubermos ou pudermos fazer dele.
Somos donos do nosso tempo? Para pobres e ricos, estejam onde estiverem, a resposta parece ser a mesma: cada vez menos.
Os ritmos naturais, ditados pelos nossos calendários biológicos ou pela movimentação dos astros (dia/noite, fases da Lua, marés, meses, Estações, ano), deram lugar a marcadores do Tempo ligados directamente às actividades agrícolas, e aqueles fizeram surgir os Livros de Horas e a Liturgia, que aí se encaixavam ainda na perfeição. Relógios de sol, de água, de areia serviam então bem para se saber do Tempo que era, de quando interromper o negócio e usufruir do ócio.
O ressurgimento dos burgos, o reabrir do comércio, o aumento da riqueza e sua concentração numa nova classe surgem a par de um novo invento, o relógio mecânico, laico, da torre do castelo ou do município, que passa a rivalizar com o Tempo que até então era monopólio do convento, do mosteiro, da igreja.
A Revolução Industrial rompe definitivamente com o ritmo rural, de sol a sol, e o relógio passa a ser o apito do comboio ou da fábrica. Os novos meios de comunicação e transporte concentram o tempo, que passa de local a nacional, de nacional a continental, de continental a global. E a percepção universal do tempo passa a ser imediata e difusa: o que se está a passar agora nos antípodas é também pertença do meu tempo, pois vejo, ouço, sinto, “ao vivo” tudo e todos; o meu local de trabalho é onde estiver, a qualquer hora, desde que “comunicável”.
Satélites, Internet, media mergulham-nos em permanência na última e einsteiniana dimensão e o otium e o nec otium deixam de ter fronteiras.
É sobre o Tempo e os seus medidores, é sobre a evolução de mentalidades derivada da maneira como temos lidado e pensamos vir a lidar com o Tempo que vamos falar aqui. Cintos apertados, começa a viajem na Máquina do Tempo.
*Crónica de A Máquina do Tempo, publicada no suplemento Casual (Semanário Económico), de 25/05/07
*Crónica de A Máquina do Tempo, publicada no suplemento Casual (Semanário Económico), de 25/05/07
Sem comentários:
Enviar um comentário