A profissão de relojoeiro tem sido, ao longo da História, alforge de mentes criativas e base técnica para outros voos, nas mais variadas actividades. Como temos vindo a demonstrar nesta série de Utopia Mecânica, as comunidades relojoeiras têm sido, elas próprias, fonte de inspiração de movimentos filosóficos, sociais e políticos, tal a especificidade de um universo que sempre se rodeou de Saber, Precisão e Solidariedade entre os seus.
Façamos pois um “vol d’oiseau” sobre mais algumas personalidades que tiveram relação directa com a Relojoaria.
Desde logo, Johann Gutenberg (1400-1468), nascido na Alemanha, de uma família que se dedicava à transformação de metais. O inventor da tipografia pertenceu à guilda dos ourives de Mainz, sua terra natal, e a sua experiência no fabrico de peças de relojoaria, que tinham que obedecer a critérios de qualidade e homologação, ajudou-o na execução da ideia dos tipos móveis, neste caso em madeira que, depois de alinhados, transmitiam à folha de papel os textos a imprimir. Isto através de prensas de rosca, já anteriormente usadas na prensagem de uvas ou de azeitonas.
Já Henry Ford (1863-1947), revolucionou a maneira como se fabricavam automóveis, criando a linha de produção – operários especializados passaram a montar peças num chassis, por determinada ordem, e num ritmo pré-determinado, poupando tempo. Isso só foi possível porque as peças estavam estandardizadas e eram intercambiáveis. E onde foi Ford buscar essas ideias? À Relojoaria.
O futuro fundador da primeira grande fábrica de produção maciça de automóveis foi relojoeiro na juventude. Segundo reza a lenda, era mesmo um relojoeiro de eleição, capaz de desmontar e montar de olhos vendados um relógio de bolso. Terá mesmo chegado a inventar um relógio de bolso que iria custar um dólar, mas nunca chegou a produzi-lo porque pensou que as pessoas não acreditariam que se tratava de algo de qualidade, sendo o preço tão baixo.
O interesse de Henry Ford pela relojoaria não se esbateria com o sucesso que fez dele um dos grandes Capitães da Indústria do século XX norte-americano. Ford mandou construir em 1935 o Swiss Chalet, em Greenfield Village, Dearborn, Michigan, uma vivenda inspirada na arquitectura suíça do Jura, e onde eram feitos e reparados relógios. Pierre Cartier, seu amigo, dono da casa Cartier, ajudou-o nesse projecto. A casa ainda existe, faz parte do complexo do Museu Henry Ford, e alberga cerca de 100 peças de relojoaria.
Ainda no ramo automóvel, há Louis Chevrolet, que poucos sabem ser suíço. Nascido em 1878, faleceu em 1941, nos Estados Unidos. Filho de um relojoeiro, Chevrolet era natural de La Chaux-de-Fonds, cidade bem no coração da indústria relojoeira helvética. Durante a juventude, também foi relojoeiro, ajudando na oficina do pai, passando depois a construir, reparar e correr em bicicletas. Isto até descobrir o mundo dos automóveis. Emigrou em 1900 para o Canadá, e depois para os Estados Unidos, onde aliava a profissão de mecânico com a de piloto de competição.
Correu com carros da General Motors até que o fundador da GM, W. C. Durant, se desligou da companhia e criou uma nova, a Chevrolet Motor Car Company, em honra do seu engenheiro-chefe, a quem encarregou de fazer “o carro dos seus sonhos”. Chevrolet viria a abandonar a companhia em 1913, por não querer fazer carros baratos, mas apenas automóveis de eleição, mas a marca ficou, até hoje, lembrando o seu nome.
Por falar de La Chaux-de-Fonds, um conterrâneo de Chevrolet também teve as suas raízes na relojoaria, mas alcançou a fama na Arquitectura. Charles-Edouard Jeanneret, que escolheu para si a alcunha “Le Corbusier”. “Aquele que se parece com um corvo” nasceu na cidade relojoeira, encravada no Jura, filho de um relojoeiro local e de uma professora de piano. Graduado pela Escola de Artes Aplicadas local, nela aprendeu o ofício de gravador de caixas de relógios, tendo ganho prémios internacionais nessa actividade. Le Corbusier prossegue ali estudos em arquitectura, decoração monumental e decoração de interiores. Data de 1905 a construção da sua primeira vivenda em La Chaux-de-Fonds. A cidade orgulha-se de um património arquitectónico vasto, fruto da actividade de Le Corbusier na região.
Publicado na Espiral do Tempo
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