Abraham-Louis Breguet
Passam este domingo 200 anos sobre a morte de Abraham Louis Breguet (Neuchâtel, 10 de Janeiro de 1747 —
Paris, 17 de Setembro de 1823), considerado o maior relojoeiro de todos os tempos
Há 100 anos, em 1923, por esta altura foi criado um Comité do Centenário dedicado a esta figura, que organizou em França e na Suíça importantes manifestações, que culminaram numa exposição parisiense, no Museu Galliera, inaugurada pelo Presidente da República francês, Alexandre Millerand.
Hoje, a marca Breguet pertence ao suíço Swatch Group, o maior do mundo no sector da Relojoaria.
Recordamos o que escrevemos em 2019 para Mecânica do Tempo - Os Relógios da Colecção Medeiros e Almeida, onde dedicamos o capítulo de abertura a Breguet e aos relógios que aquele museu de Lisboa possui. Começamos com um poema pouco conhecido, de Gonçalves Crespo, onde ele refere o genial relojoeiro.
No mundo de Abraham-Louis Breguet
O relógio
Ebúrneo é o mostrador: as horas são de prata,
Lê-se a firma Breguet por baixo do gracioso
Rendilhado ponteiro; a tampa é enorme e chata:
Nela o esmalte produz um quadro delicioso.
Repara: eis um salão: casquilho malicioso
Das festas cortesãs o mimo a flor, a nata,
Junto a um cravo sonoro a alegre voz desata.
Uma fidalga o escuta ébria de amor e gozo.
Rasga-se ampla a janela: ao longe o olhar descobre
O correcto jardim e o parque extenso e nobre.
As nuvens no alto céu flutuam como espumas,
Da paisagem no fundo, em lago transparente,
Onde se espelha o azul e o laranjal frodente,
Um cisne à luz do sol estende as níveas plumas.
Gonçalves Crespo (1846-1883)
Sem os seus exemplares Breguet, a colecção Medeiros e
Almeida seria boa, interessante. Com eles, passa a ser excepcional,
constituindo uma das mais importantes em mãos privadas a nível mundial.
Abraham-Louis Breguet (1747 – 1823) foi, não apenas um brilhante relojoeiro e
inventor, mas também um hábil e inovador homem de negócios. A meio da sua vida,
e vivendo em Paris, assiste à Revolução Francesa. E se a História do mundo se
pode dividir num “antes” e “depois” da revolução de 1789, também a história da
Relojoaria se pode dividir num “antes” e “depois” de Breguet.
Abraham.Louis Breguet nasceu em Neuchâtel, Suíça. Com apenas
11 anos, perdeu o pai. A mãe casou-se depois com um primo, Joseph Tattet, que
era relojoeiro. A família Tattet tinha relações comerciais com a França e. com
15 anos, Breguet já se encontra, como aprendiz de relojoeiro, em Versailles.
Aprende aí com mestres como Ferdinand Berthout, seu conterrâneo, ou o francês
Jean—Antoine Lépine.
Protestante, Breguet renuncia a essa religião e casa-se em
1775, em Paris, com Cécile L’Huilier, cinco meses mais nova. Com o dote da
noiva, como era então uso entre os artesãos, instala-se por conta própria numa
casa onde vive e trabalha, na île de la Cité, perto da Pont-Neuf, no Quai de
l’Horloge, hoje nº 39.
É o contacto com o abade Marie, cujas aulas de matemática
Breguet frequenta, no Collège Mazarin, que lhe abre as portas da Corte. O abade
apresenta-o ao rei Luis XVI e à rainha Maria Antonieta. O relógio nº 2, o mais
antigo conhecido fabricado por Breguet, foi feito em 1782 para a rainha.
Teorizando, Breguet escreveu que os avanços e
aperfeiçoamentos em relojoaria se podem agrupar em três categorias:
1 – Invenções de formas, de disposições mais ou menos
agradáveis, cómodas e sedutoras.
2 – Invenções de solidez, que tornem os relógios mais
resistentes, que durem mais tempo, e que façam mais baratas as reparações.
3 – Invenções que aumentam a exactidão dos relógios e que
combatem as causas da irregularidade, como variações de temperatura ou de
posição.
Breguet inovou em todos estes campos. Desde logo, na
estética. Depurou mostradores e caixas de ornamentos supérfluos, arrumou as
indicações de forma equilibrada e elegante, diminuiu a espessura dos calibres
(e, assim, das caixas), tornou os ponteiros mais finos, concebendo mesmo uma
forma que depois se tornou clássica (inventada por volta de 1783, com um
círculo oco e excêntrico quase na ponta).
Depois, na resistência, inventou o “pare-chute”, um sistema
anti-choque para o órgão regulador (balanço/espiral), através de suspensão
elástica. Conta-se um episódio, talvez apócrifo, de Breguet, no meio dos
convidados, em casa de Talleyrand, a mandar para o chão o seu relógio e a
mostrá-lo depois, continuando a trabalhar, como se nada tivesse acontecido. A
pequena anedota correu os salões de Paris e, mesmo que não tenha ocorrido, teve
efeitos de publicidade…
Mas é no melhoramento da exactidão dos relógios que Breguet
apresenta mais soluções, fazendo dele o maior relojoeiro de sempre. Deu nova
forma às espirais, tornando-as mais isócronas e fáceis de regular. Inventou, em
1795, o sistema dito de turbilhão, patenteado em 1801. Consiste em colocar o
órgão regulador numa gaiola que roda completamente a cada minuto, anulando
assim os efeitos da gravidade. Produziu um escape de força constante. Entre
muitas outras invenções.
No entanto, terá sido o sistema dito “perpétuo” que no
início, o catapultou para a fama na corte de Versailles. Este sistema de dar
corda ao relógio, através de uma massa oscilante, é o precursor dos modernos
sistemas de calibre automático usados nos relógios de pulso.
As melhorias de fiabilidade e legibilidade que introduziu em
complicações astronómicas como calendários perpétuos ou equações do tempo não
ofuscam os avanços que conseguiu em complicações sonoras, como sonneries,
repetições minutos e alarmes.
É dele a invenção da “montre à tact”, sistema engenhoso de
ver as horas através do tacto – o relógio, com um só ponteiro, saliente, no
topo da caixa, que gira, pode ser consultado. A escala das horas, meias horas e
quartos, no bordo, é também saliente.
Iniciada em 1793, uma das suas invenções mais fascinantes é
a dos relógios ditos simpáticos. Começou por apresentar um conjunto de relógio
de pêndulo / relógio de bolso, em que o segundo acerta automaticamente a hora
quando colocado num dispositivo que encima o primeiro. Em 1810 apresenta o
mesmo tipo de conjunto, mas agora, além de acertar o relógio de bolso, o
sistema dá-lhe igualmente corda.
Os relógios Breguet desde cedo começaram a ser vítimas de
falsificações. Além de manter em livros os registos de todos os relógios
produzidos e o nome do comprador, Breguet inventou um sistema de assinatura
secreta, no mostrador, vista apenas de determinado ângulo.
Durante a Revolução Francesa Breguet fica, naturalmente sem
clientes. E ele próprio corre risco de ir parar à guilhotina. Consegue sair de
França, com a família, em 1793, com um salvo-conduto emitido por influência de
Marat.
Regressado à Suíça, estabelece-se no Locle, onde continua a
trabalhar em invenções. Mas tem a intenção forte de regressar a Paris, apesar
dos riscos que ainda poderá correr. Fá-lo em 1795, encontrando as oficinas
saqueadas e as máquinas destruídas. Mas volta a erguer-se.
Os antigos clientes, ou tinham morrido na guilhotina, ou
tinham fugido, ou estavam agora pobres. Breguet demonstra o seu génio comercial
quando lança, em 1796, os chamados relógios “Subscrição”. Como o nome indica,
os futuros compradores adiantavam uma soma de entrada, inscreviam-se. Pagavam o
restante no acto de entrega do relógio. Estes Breguet são de construção
simples, sólidos, fiáveis, de grande diâmetro e com um só ponteiro, o das
horas, mas que permite, mesmo assim, a leitura de horas e minutos. Com menos
peças no calibre, mas sempre com a qualidade e estética Breguet, tinham preços
mais acessíveis.
Depois da Revolução, Napoleão e família foram dos maiores
clientes de Breguet, que tinha, entretanto, fabricado relógios de viagens de
grande resistência e exactidão. Napoleão leva consigo um exemplar para a
campanha do Egipto. E recomenda aos seus oficiais o uso deles, para que possam
sincronizar os ataques nos campos de batalha.
A casa Breguet, já com o filho e um neto a continuarem o
negócio, tinha atingido fama mundial. As cortes inglesa, russa ou otomana
faziam encomendas sucessivas. Contribuindo para uma globalização do luxo.
Abraham-Louis Breguet passou 60 dos seus 77 anos de vida em
Paris. David S. Landes, historiador norte-americano que defende a invenção do
relógio mecânico tão ou mais importante que a máquina a vapor na posição
cimeira do Ocidente durante séculos, diz: “Enquanto Breguet viveu e continuou a
trabalhar, Paris foi a capital mundial do relógio”.
O grande coleccionador Sir David Solomons escreveu uma vez:
“Sempre que uso um relógio Breguet, tenho o sentimento que trago comigo alguma
parte do cérebro de um génio”.
Manuscritos de Breguet
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