Não havia mentido a grande scintillação das estrellas na noite de Natal.
A manhã do dia seguinte correspondeu ao augurio meteorologico, rompendo pura, desennevoada, com um céo azul sem manchas, e um sol de fundir os gêlos dos montes e os gêlos da velhice.
O frio intenso convidava a sair, e desde pela manhã aldeões de ambos os sexos, de camisas lavadas e roupas domingueiras, atravessavam os campos, saltavam sebes e cancellos, desembocavam das azinhagas e quelhas na direcção da igreja matriz, onde se deviam celebrar as festas da Natividade.
Era dia santo entre os que mais o são; e os dias santos na aldeia teem uma feição solemne e festiva, que mal avaliamos nós, os que passamos a vida nos apertados horizontes das cidades, phantasiando o campo por meia duzia de pardaes, que chilram ruidosamente nas cópas das enfezadas arvores das nossas praças e jardins.
Desde que a moda estabeleceu a lei de não solemnisar o domingo nem o dia santo, com um vestuario mais asseiado, com um prato mais exquisito na lista do jantar, com uma diversão excepcional, que todos deram em vestir-se, comer e trabalhar n'esses dias, exactamente como em todos os da semana, perderam nas cidades os dias do Senhor a feição typica e interessante, que por muito tempo tiveram; e quem hoje bem os quizer apreciar tem de ir n'um sabbado pernoitar ao campo, para amanhecer no domingo ao som do sino, que chama para a missa matinal.
Dirá então se não parece que até o sol tem outra luz e que as arvores e as plantas se toucaram de flores novas, que guardam de reserva para os dias de festa.
Júlio Dinis, in A Morgadinha dos Canaviais
terça-feira, 24 de dezembro de 2019
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário