[...] A paixão deste homem é não ter um livro de jeito. G... só escreveu três folhetos, e
por aí ficou o seu talento. Espremido, não deu mais. É no entanto uma figura
epigramática e nítida de conversador e um tipo curioso de boémio lisboeta. Dormiu nas
escadas dos prédios, pertenceu ao grupo que o Fialho arrastava pelas ruas até
antemanhã, dispersando com ele o oiro da sua esplêndida fantasia. Para essa meia dúzia
de boémios improvisou o grande escritor as suas melhores sátiras. Uma noite, no café,
G... aludiu à sua obra, e logo do lado o Fialho acudiu -
– A tua obra, bem sei... Vinte e cinco cartas a vinte e cinco amigos pedindo vinte
e cinco tostões emprestados.
G... embezerrou. Mas passados minutos aproveitou uma pausa no diálogo para
perguntar com indiferença ao Fialho, que tinha casado rico, há pouco, com uma mulher
que gastou a vida a esperá-lo no fundo da província:
– Ó Fialho, fazes favor de me dizer que horas são... no relógio do teu sogro?
Raul Brandão, in Memórias, referindo-se a Fialho de Almeida, entrada de Fevereiro de 1900
sábado, 1 de novembro de 2014
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