Fernando Pessoa
“Não sei o que é o tempo. Não sei qual a verdadeira medida que ele tem, se tem alguma. A do relógio sei que é falsa: divide o tempo espacialmente, por fora. A das emoções sei também que é falsa: divide, não o tempo, mas a sensação dele. A dos sonhos é errada; neles roçamos o tempo, uma vez prolongadamente, outra vez depressa, e o que vivemos é apressado ou lento conforme qualquer coisa do decorrer cuja natureza ignoro. Julgo, às vezes, que tudo é falso, e que o tempo não é mais que uma moldura para enquadrar o que lhe é estranho”. Este texto do Livro do Desassossego, de Bernardo Soares / Fernando Pessoa inspira-nos e desafia-nos a uma viagem pela noção filosófica e ou científica que o Tempo mereceu ao longo do pensamento humano.
Zenão
O grego Zenão, que terá nascido por volta de 490 a.C., desafiou os conceitos de Movimento e de Tempo, através de uma série de pensamentos expressos em paradoxos que, com a sua aparente lógica inabalável, chegaram insolúveis até praticamente aos nossos dias. Um atleta nunca conseguiria atravessar um estádio, porque a distância se iria dividindo infinitamente, e a meta estaria sempre inalcançável; o herói Aquiles nunca conseguiria apanhar a tartaruga que perseguia, pelos mesmos motivos; uma seta em voo estaria afinal em repouso, pois a cada momento ocuparia um espaço parado e igual às suas dimensões. Apenas o cálculo infinitesimal “derrotou” aquele que via tudo – movimento ou tempo – como pontos sucessivos e estáticos.
Platão
O filósofo grego Platão (428/27 a.C. — 347 a.C.), discípulo de Sócrates, fundador da Academia e mestre de Aristóteles, escreve no Timeu que o Tempo é uma imitação móvel da eternidade. E explicita aí a sua tese de um mundo sensível como réplica a um mundo inteligível. São os astros errantes, no seio do Universo, que têm por missão definir as medidas do tempo. E acrescenta: “É assim e por estes motivos que foram criados os astros que percorrem o Céu e que têm fases. Ou seja, a fim de que o Mundo fosse o mais semelhante possível ao ser vivo perfeito e inteligível e para imitar a substância eterna”.
Aristóteles
Aristóteles avança mais na especulação, aproximando-se em certos aspectos de uma teoria do Tempo que não é estranha ao espírito moderno, como faz notar Éric Émery, Professor na Escola Politécnica Federal de Lausanne, e um dos principais pensadores suíços contemporâneos. Apesar disso, ela não deixa de continuar a ser antiga. “A forma aristotélica é de facto a Ideia, considerada como imanente às coisas e realizada na matéria”, explica Émery. Na sua obra Física, Aristóteles diz: “O Tempo não existe sem mudança; com efeito, quando não nos submetemos à mudança, no nosso pensamento, ou quando não nos apercebemos dela, parece-nos que o Tempo não passou”. E ainda: “Eis o que é o Tempo: o numerar do movimento, segundo a relação anterior-posterior”.
A Máquina do Tempo, crónica publicada no suplemento Casual, Semanário Económico, 5/10/07
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