Emaranha-se-me a consciência se penso nestas coisas. Pressinto um erro em tudo isto; não sei, porém, de que lado está. É como se assistisse a uma sorte de prestidigitação, onde, por ser tal, me soubesse enganado, porém não concebesse qual a técnica, ou a mecânica, do engano.
Chegam-me, então, pensamentos absurdos, que não consigo
todavia repelir como absurdos de todo. Penso se um homem que medita devagar
dentro de um carro que segue depressa está indo depressa ou devagar. Penso se
serão iguais as velocidades idênticas com que caem no mar o suicida e o que se
desequilibrou na esplanada. Penso se são realmente sincrónicos os movimentos,
que ocupam o mesmo tempo, em os quais fumo um cigarro, escrevo este trecho e
penso obscuramente.
De duas rodas no mesmo eixo podemos pensar que há sempre uma
que estará mais adiante, ainda que seja frações de milímetro. Um microscópio
exageraria este deslocamento até o tornar quase inacreditável, impossível se
não fosse real. E porque não há o microscópio de ter razão contra a má vista?
São considerações inúteis? Bem o sei. São ilusões da consideração? Concedo. Que
coisa, porém, é esta que nos mede sem medida e nos mata sem ser? E é nestes
momentos, em que nem sei se o tempo existe, que o sinto como uma pessoa, e
tenho vontade de dormir.
Fernando Pessoa, Livro do Desassossego
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