Painel de azulejos alusivo à conspiração de 1640, Palácio dos Almadas ou da Independência, Lisboa
Mesmo sob ocupação filipina, e com a capital do reino unificado em Madrid, Lisboa e o seu Paço não deixaram de ter importância política, pois era aí que se encontrava a viver o representante do rei castelhano. O golpe de 1640, liderado por nobres descontentes com a situação, procurando a recuperação da independência de Portugal, é uma operação militar. Decorre na zona do Paço e, como operação militar, necessita de um emissor de tempo comum, que sincronize as acções a desenvolver.
Diz D. Luís de Menezes na História de Portugal Restaurado que o grupo de Conjurados decidiu na última reunião antes da revolta, lendariamente realizada no Palácio dos Almadas, ao Rossio, avançar a acção para sábado, 1 de Dezembro de 1640. E que, “com o menor rumor que fosse possível, se achassem todos junto ao Paço, repartidos em vários postos, e que tanto que o relógio desse nove horas saíssem das carroças ao mesmo tempo”. Mais à frente, nesse mesmo dia, os conjurados, “impacientes, esperavam as nove horas, e como nunca o relógio lhes pareceu mais vagaroso, tanto que deu a primeira, sem aguardarem a última, arrebatados do generoso impulso saíram todos das carroças e avançaram ao Paço”. O resto, já se sabe. Portugal recuperou a independência, que tinha estado hipotecada a Espanha nos 80 anos anteriores. O relógio que deveria bater as nove horas era, possivelmente, o do Paço da Ribeira, com torre própria desde os tempos de D. Manuel I.
Outro relato coevo, a Relação de tudo o que se passou na felice aclamação do mui alto e mui poderoso rei dom João o IV, Nosso Senhor, cuja monarquia prospere Deus por largos anos, 1.ª edição de Lisboa, Oficina de Lourenço de Anveres, s. d. [1641]:
“Deu-se enfim o ponto para as nove horas da menhã, e deu-se ordem a todos para que, poucos a poucos, por vários caminhos, se ajuntassem no terreiro do Paço, o que se fez com recato e boa disposição, que uns em coches, outros a cavalo, outros a pé se dividiram em troços por todo aquele espaço que há desd’ o Arco dos Pregos até o Arco do Ouro.[…]
Neste comenos deu o relógio do Paço nove horas, e como quando o fogo de ũa mina atea na pólvora e saem num mesmo instante por várias aberturas da terra − em cópia larga,com medonho ímpeto − mil raios e mil despedaçados e abrasadores mármores, assi feros, assi terríveis e assi furiosos saíram num mesmo tempo alguns fidalgos dos coches, e logo foram em seu siguimento com a mesma deliberação os mais que, a cavalo, ou a pé, vinham para aquele efeito. Subiram todos intrépidos por ũa e outra escada do Paço, já com as armas prontas, e dispostos para ver a cara ao mais estupendo transe em que desde que hove guerras no mundo se viu o coração humano”.
Para saber mais sobre os marcadores de tempo colectivos na capital e a sua relação com os poderes religioso, político, económico e científico, desde a Reconquista até aos nossos dias, pode ler Tempo e Poder em Lisboa – O Relógio do Arco da Rua Augusta (2008) ou História do Tempo em Portugal - Elementos para uma História do Tempo, da Relojoaria e das Mentalidades em Portugal (Diamantouro, 2003).
O Paço da Ribeira e a sua Tore do Relógio, painel de azulejos imediatamente anterior ao terramoto de 1755
Outro relato coevo, a Relação de tudo o que se passou na felice aclamação do mui alto e mui poderoso rei dom João o IV, Nosso Senhor, cuja monarquia prospere Deus por largos anos, 1.ª edição de Lisboa, Oficina de Lourenço de Anveres, s. d. [1641]:
“Desde o domingo até a sexta-feira daquela venturosa semana se fizeram com grande fervor e diligência infinitas preparações, ajuntaram-se as armas que para o efeito eram mais acomodadas, deu-se ponto aos amigos e parentes, e muitos convidavam para um empenho grande que sábado às nove horas da menhã haviam de ter no terreiro do Paço, sem declararem o que era. Não se passou noite nenhuma em que não houvesse junta em casa de João Pinto Ribeiro. Iam os fidalgos a ela com grande recato, porque importava já muito a dissimulação, e donde quer que a cada um deles lhe anoitecia, se apeava e, embuçados, entravam no Paço do duque, em cujas salas tudo era sombras e horror, e somente na casa mais oculta − que era aonde se fazia o conselho − estava ũa candeia tão desviada e com tão pouca luz que escassamente alumiava. […]
“Deu-se enfim o ponto para as nove horas da menhã, e deu-se ordem a todos para que, poucos a poucos, por vários caminhos, se ajuntassem no terreiro do Paço, o que se fez com recato e boa disposição, que uns em coches, outros a cavalo, outros a pé se dividiram em troços por todo aquele espaço que há desd’ o Arco dos Pregos até o Arco do Ouro.[…]
Neste comenos deu o relógio do Paço nove horas, e como quando o fogo de ũa mina atea na pólvora e saem num mesmo instante por várias aberturas da terra − em cópia larga,com medonho ímpeto − mil raios e mil despedaçados e abrasadores mármores, assi feros, assi terríveis e assi furiosos saíram num mesmo tempo alguns fidalgos dos coches, e logo foram em seu siguimento com a mesma deliberação os mais que, a cavalo, ou a pé, vinham para aquele efeito. Subiram todos intrépidos por ũa e outra escada do Paço, já com as armas prontas, e dispostos para ver a cara ao mais estupendo transe em que desde que hove guerras no mundo se viu o coração humano”.
Para saber mais sobre os marcadores de tempo colectivos na capital e a sua relação com os poderes religioso, político, económico e científico, desde a Reconquista até aos nossos dias, pode ler Tempo e Poder em Lisboa – O Relógio do Arco da Rua Augusta (2008) ou História do Tempo em Portugal - Elementos para uma História do Tempo, da Relojoaria e das Mentalidades em Portugal (Diamantouro, 2003).
1 comentário:
É pena hoje não haver
outros tantos conjurados
para estes gajos correr
à vassourada tratados!
JCN
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