Na aldeia o sino da torre ainda insiste nas meias horas e, com intervalo curto, na repetição das horas diurnas. Calam-no, de noite, para não perturbar o sono de citadinos em férias. O relógio comunitário ignora os seus homólogos, no pulso dos cidadãos, a sua fiabilidade e a facilidade da consulta.
À força de se repetir vão-se as pessoas esquecendo de escutá-lo e de lhe prestar atenção. Se acaso parar poucos darão pela falta e o abandono será o destino fatal que já o condena. Viverá enquanto não se partir a corda e o maquinismo não encravar.
Mingua nas presas a água que regava os campos à claridade da aurora. Secaram as fontes que alimentavam regatos, mantinham viçosos os prados e os defendiam da canícula.
Falta a água, seca a erva, ficam maninhos os campos. Os velhos vão mirrando enquanto os novos se fizeram à vida e abandonaram as terras e os pais.
Também na igreja o sino chama os paroquianos para os actos litúrgicos com o som triste de quem envelheceu com as pessoas e trina por hábito, sem convicção nem entusiasmo dos que ainda o escutam.
Só os emigrantes iludem, durante as férias, a solidão e abandono a que o interior de Portugal está votado. Foi longo o processo, mas eficaz, penoso e irreversível.
Carlos Esperança, crónica no Jornal do Fundão de 14 de Setembro de 2006
4 comentários:
O relógio da capela
da minha aldeia natal
constitui uma parcela
da minha herança mental!
JCN
Para o povo português
voltar a ser outra vez
festivo, alevre e feliz
como outrora, no passado,
haveria que poder
novamente ouvir tanger
o sino há muito parado
da sua igreja matriz!
JCN
Corrijo a gralha "alevre" por "alegre". JCN
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