Est. June 12th 2009 / Desde 12 de Junho de 2009

A daily stopover, where Time is written. A blog of Todo o Tempo do Mundo © / All a World on Time © universe. Apeadeiro onde o Tempo se escreve, diariamente. Um blog do universo Todo o Tempo do Mundo © All a World on Time ©)

domingo, 14 de abril de 2013

Meditações - o ar de Abril

Em frente dos meus olhos, ela passa
Toda negra de crepes lutuosos.
Os seus passos são leves, vigorosos:
No seu perfil há distinção, há raça.

Paris, Inverno e sol. Tarde gentil.
Crianças chilreantes deslisando...
Eu perco o meu olhar de quando em quando,
Olhando o azul, sorvendo o ar de Abril.

... Agora sigo a sua silhueta
Até desapar'cer no boulevard,
E eu que não sou nem nunca fui poeta,
Estes versos começo a meditar.

Perfil perdido... Imaginariamente,
Vou conhecendo a sua vida inteira.
Sei que é honesta, sã, trabalhadeira.
E que o pai lhe morreu recentemente.

(Ah! como nesse instante a invejei,
Olhando a minha vida deplorável -
A ela, que era enérgica e prestável,
Eu, que até hoje nunca trabalhei!...)

A dor foi muito, muito grande. Entanto
Ela e a mãe souberam resistir.
Nunca devemos sucumbir ao pranto;
É preciso ter força e reagir.

Ai daqueles - os fracos - que sentindo
Perdido o seu amparo, o seu amor,
Caem por terra, escravos duma dor
Que é apenas o fim de um sonho lindo.

Elas trabalham. Têm confiança.
Se às vezes o seu pranto é mal retido,
Em breve seca, e volta-lhes a esperança
Com a alegria do dever cumprido.

Assim vou suscitando, em fantasia,
Uma experiência calma e santa e nobre,
Toda a ventura duma vida pobre
Eu compreendo neste fim de dia:

Para um bairro longínquo e salutar,
Uma casa modesta e sossegada;
Seis divisões (a renda é limitada),
Mas que gentil salinha de jantar...

Alegre, confortável e pequena;
Móveis úteis, sensatos e garridos...
Pela janela são jardins floridos
E a serpente aquática do Sena.

Respira-se um aroma a gentileza
No jarro das flores, sobre o fogão.
Quem as dispôs em tanta devoção,
Foram dedos de noiva, com certeza.

Ai que bem estar, ai que serenidade...
A fé robusta dispensou a dor...
Naquela vida faz calor e amor,
E tudo nela é paz, simplicidade!

Mário de Sá-Carneiro

1 comentário:

João de Castro Nunes disse...

Teve um triste desenlace
o Mário de Sá-Carneiro:
por muito tempo que passe,
será sempre um pioneiro!

JCN