A Relojoaria também está a sofrer, e a Alta Relojoaria não é excepção. Apenas mercados emergentes como a China e a Índia, e que estão a recuperar mais rapidamente do que o previsto, permitem antever um 2009 com alguma recuperação e um 2010 melhor.
A crise atingiu de forma brutal e inesperada a indústria relojoeira nos meses de Novembro e Dezembro de 2008. Mesmo grandes marcas, estabelecidas há mais de um século, com CEOs há décadas nos seus postos, foram surpreendidas pela queda a pique das encomendas, o seu quase congelamento. “Se a situação se mantiver no primeiro semestre de 2009, dizia-nos então um presidente de uma dessas manufacturas, a questão não será de cortes de pessoal, mas de fecho, puro e simples”.
De Janeiro a Setembro, a Suíça exportou em valor menos 26 por cento (o mercado português está melhor do que a média, com redução de apenas 15 por cento). Em número de peças, a Suíça exportou menos 5,1 milhões de relógios nos primeiros nove meses do ano, comparado com 2008. A redução de pessoal tem sido a nota dominante, especialmente nas empresas subcontratadas, que fazem caixas, pulseiras, ponteiros, mostradores para as grandes marcas. E há marcas que deverão mesmo desaparecer.
As estratégias de comunicação, que também reduziram drasticamente, têm os seus orçamentos apontados agora para Novembro e Dezembro. Vários indicadores de confiança referem que há já uma retoma no consumo na Europa, embora Japão e Estados Unidos continuem apáticos. Mas foi o imenso mercado chinês, que voltou a arrancar a partir de Março, que fez respirar de alívio muitas fábricas suíças.
A seguir à Maquinaria e às Indústrias Químicas, a Relojoaria é o terceiro sector exportador helvético. A Suíça exporta 95 por cento dos relógios que produz, representa 55 por cento do valor global dos relógios vendidos em todo o mundo, apesar de ter apenas 5 por cento do número produzido (o maior fabricante é a China). Compreende-se assim a atenção com que a Suíça acompanha a actual crise no consumo. Segundo alguns observadores, a prova de fogo da indústria será o comportamento das próximas encomendas nas duas principais feiras que ocorrem anualmente.
Logo em Janeiro, em Genebra, há o Salão Internacional de Alta Relojoaria. Ele é feito basicamente com as marcas do Richemont Group (Cartier, Vacheron Constantin, Jaeger-Lecoultre, Piaget, A. Lange & Sohne, IWC, Panerai, Van Cleef & Arpels, Baume & Mercier, Roger Dubuis) e alguns independentes (Audemars Piguet, Girard-Perregaux, Parmigiani e, pela primeira vez este ano, Greubel Forsey e Richard Mille). A edição de 2009 sofreu ligeira redução no número de visitantes, em relação a 2008, e quanto a encomendas, embora os números não sejam públicos, admitiu-se a estagnação. Em 2010, os sinais de crise estão aí: nesta espécie de reunião de clube privado, onde os jornalistas só acedem por convite, as despesas de viagem a alimentação não são, pela primeira vez, pagas pela organização, que se encarrega apenas do alojamento.
O Richemont Group é o maior em termos de Alta Relojoaria. Nos últimos meses substituiu dois CEOs, devido à crise.
Depois, em Março, haverá a maior feira do sector, em Basileia. A Baselworld, que tinha anunciado em 2008 uma gigantesca remodelação, com aumento do espaço de exposição, anunciava em 2009 que os planos ficavam adiados por dois anos, embora não fossem reduzidos. É na Baselworld que estão os pesos-pesados independentes, como Rolex ou Patek Philippe. Mas também o maior grupo de relojoaria do mundo, o Swatch Group (Breguet, Blancpain, Jaquet Droz, Omega, Longines, Tissot, Rado, Hamilton, Certina, Swatch, entre outros). A organização da feira, que até há um ano lutava com falta de espaço, apressa-se a emitir agora comunicados a dizer que as principais marcas já reservaram presença no certame e que a indústria “está a seleccionar mais a participação noutros eventos, para poder estar presente na Baselworld”.
Ir ou não ir?
Mesmo antes da crise, já havia quem se interrogasse sobre se a Baselworld e o Salão de Genebra continuavam a ter razão de existir. Por um lado, as estratégias de comunicação levaram a que, na última década, passasse a haver também feiras regionais nos Estados Unidos, na Ásia, em algumas capitais europeias. Esses mini-salões estavam, segundo muitos, a matar as feiras principais, onde antes se faziam as encomendas para um ano, depois de conhecidas as novidades.
Ora, as novidades passaram a ser divulgadas ao longo de praticamente todo o ano, numa espécie de estratégia semelhante à da moda. E as encomendas estão a passar mais pelos salões regionais.
Com as novas tecnologias, as marcas sentiram-se tentadas a usar plataformas on-line, onde podem apresentar essas novidades de forma sofisticada e rápida, não apenas ao retalhista mas aos media e ao consumidor final.
Ir ou não ir?
Mesmo antes da crise, já havia quem se interrogasse sobre se a Baselworld e o Salão de Genebra continuavam a ter razão de existir. Por um lado, as estratégias de comunicação levaram a que, na última década, passasse a haver também feiras regionais nos Estados Unidos, na Ásia, em algumas capitais europeias. Esses mini-salões estavam, segundo muitos, a matar as feiras principais, onde antes se faziam as encomendas para um ano, depois de conhecidas as novidades.
Ora, as novidades passaram a ser divulgadas ao longo de praticamente todo o ano, numa espécie de estratégia semelhante à da moda. E as encomendas estão a passar mais pelos salões regionais.
Com as novas tecnologias, as marcas sentiram-se tentadas a usar plataformas on-line, onde podem apresentar essas novidades de forma sofisticada e rápida, não apenas ao retalhista mas aos media e ao consumidor final.
Inserida claramente no sector do luxo, a indústria relojoeira hesita agora em dar o novo passo: a venda na Internet. Para já, vem desenvolvendo sites de marca cada vez mais sofisticados, está presente nas principais redes cibernéticas como o Facebook e até já entrou num centro comercial virtual como é o Watch Avenue (onde Blancapain, Longines, Tissot, Vacheron Constantin, Audemars Piguet, Chanel, Piaget, TAG-Heuer, Hublot, Raymond Weil e Corum criaram as suas próprias boutiques, e onde não faltam “empregados” para nos atender…)
Com tudo isto, surge a crise. E as empresas começam a diminuir as viagens, os contactos directos com os clientes. Para a sociedade em geral, a imagem conta, e o esbanjamento é apontado como algo de imoral.
O simbolismo está a asfixiar a chamada hospitalidade empresarial e as respectivas viagens. As empresas não podem dar-se ao luxo de enviar os seus quadros para dias seguidos fora do escritório, para sessões de apresentação ou de formação, devido a esse simbolismo.
Isto apesar de os responsáveis das empresas continuarem a considerar, a partir de experiência empírica, que os contactos directos com os clientes são melhores para os negócios.
Esta nova filosofia espartana está a pôr em perigo algumas das maiores companhias aéreas e muitos dos melhores hotéis e os milhões de postos de trabalho que dependem deles, directamente ou através de empresas subsidiárias.
Esta nova filosofia espartana está a pôr em perigo algumas das maiores companhias aéreas e muitos dos melhores hotéis e os milhões de postos de trabalho que dependem deles, directamente ou através de empresas subsidiárias.
Já havia ameaças às viagens executivas, mesmo antes da crise: o lobby ambiental, a melhoria das teleconferências, as análises custo-benefício cada vez com malha mais apertada, exigindo saber o retorno do investimento de cada viagem.
Os serviços de análise da Harvard Business Review acabam de realizar uma sondagem global a 2.211 executivos. A maior parte dos participantes (70 por cento) pertencem a empresas que operam em múltiplos países; mais de dois terços (68 por cento) afirmam ser eles a tomar as decisões sobre se viajam ou não.
O objectivo era determinar quão valioso é realizar negócios cara a cara em comparação com a crescente panóplia de alternativas tecnológicas. A sondagem revela que 79 por cento vê o “encontro pessoal” como a forma mais efectiva de conhecer novos clientes. Para 87 por cento, esse tipo de encontro presencial é essencial para selar acordos e praticamente todos (95 por cento) concordam que esses encontros são determinantes para o sucesso na construção de relacionamentos a longo prazo.
Mais de dois terços (69 por cento) afirmaram ter reduzido as suas viagens. Mais de metade (52 por cento) diz que as restrições nas viagens estão a afectar os seus negócios.
Uma outra sondagem, efectuada pela Hilton Hotels Corporation a 600 executivos da França, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos, dá respostas semelhantes: cerca de metade admite que, nos últimos 12 meses, a sua empresa reduziu as viagens de negócios. Cerca de um terço fala de um maior uso da tecnologia para substituir as viagens. E, quando são feitas, as viagens em classe executiva são agora mais controladas.
No grupo de 600, mais de metade (53 por cento) dá conta de um declínio no moral do pessoal e 30 por cento acredita que a performance do negócio sofreu com isso. Uma esmagadora maioria (81 por cento) diz que os encontros cara a cara aumentam a produtividade do negócio, enquanto quase dois terços diz que uma tónica exagerada na tecnologia pode reduzir essa performance – quase 50 por cento acredita que as videoconferências e os encontros realizados através da Internet não são substitutos para as reuniões cara a cara.
Estarão condenadas as feiras de Basileia e Genebra, tal como as conhecemos? Terrorismo ou uma pandemia são factores adicionais que poderão ditar adaptações.
A questão das falsificações
Outra das ameaças ao sector de luxo, nomeadamente o da Relojoaria, tem sido o das falsificações.
Com uma produção de falsificações praticamente representando o dobro dos relógios verdadeiros, as marcas de relojoaria enfrentam uma ameaça de envergadura.
A questão das falsificações
Outra das ameaças ao sector de luxo, nomeadamente o da Relojoaria, tem sido o das falsificações.
Com uma produção de falsificações praticamente representando o dobro dos relógios verdadeiros, as marcas de relojoaria enfrentam uma ameaça de envergadura.
Do conjunto anualmente analisado pela Federação Relojoeira suíça (FH), 90 por cento das falsificações são provenientes da Ásia, especialmente da China. As apreensões feitas a nível mundial também são maioritariamente de origem chinesa, cerca de metade do total, mas países como a Rússia, Ucrânia, Chile e Turquia estão a aparecer cada vez mais como fonte do problema.
Milhões de relógios falsos são apreendidos todos os anos, mas a batalha parece perdida, dada a escassez de meios e a rapidez com que o crime organizado se adapta a vagas de repressão.
A produção anual de relógios falsos é estimada em 40 milhões de unidades, segundo os números da FH. Esta produção paralela gera lucros avaliados em 500 milhões de euros. Em comparação, os relógios de marca verdadeiros representam 25 milhões de peças anuais.
A indústria da contrafacção representa em geral entre 5 e 7 por cento do comércio mundial, gerando um volume de negócio calculado entre 250 e 350 mil milhões de euros, segundo dados da Câmara de Comércio Internacional.
As marcas procuram defender-se como podem. Há quem empregue as técnicas de gravação a laser usadas em notas de banco para autenticar as suas peças (Vacheron Constantin) ou faça acompanhar o relógio de um cartão em princípio inviolável, com chip, e onde se garante a autenticidade da peça (Hublot).
A indústria relojoeira suíça lançou este ano uma campanha dirigida ao consumidor da contrafacção. Sem procura, na verdade, deixa de haver oferta. Há países que vão mais longe, e na sua legislação já prevêem sanções contra os consumidores de falsificações. Estão neste caso a França e a Itália – chegar a um desses países com um “Lolex” falso pode equivaler a uma multa ou mesmo à prisão.
Versão de artigo publicado no Fora de Série Relógios de 17 de Outubro de 2009, suplemento do Económico.
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