Est. June 12th 2009 / Desde 12 de Junho de 2009

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segunda-feira, 28 de junho de 2010

Nicolas Hayek (1928-2010) - entrevista ao Anuário dos Relógios 2008

Estou farto da economia financeira!*

Dirige há um quarto de século aquilo que começou por ser uma marca de relógios de plástico, a Swatch, para se tornar no maior grupo mundial do sector. Nicolas G. Hayek, aos 80 anos, apela à imaginação infantil, glorifica a figura do empresário e diz-se definitivamente farto da economia financeira, que nos últimos cem anos arruinou por oito vezes a economia real e ameaça de novo vir a fazê-lo. A solução, diz, poderá vir da Suíça. Falámos com ele em Lindau, Alemanha, à beira do Lago Constança, onde decorreram as comemorações do 25º aniversário Swatch.

Está de parabéns pelos 25 anos da Swatch. É um grande acontecimento para si?
Obrigado. É mesmo algo de grande. Para a Breguet, com quase 250 anos, não será muito, mas para a Swatch é. Quando começámos, nunca pensaríamos chegar tão longe.

Da última vez que falei consigo, há cinco anos, estavam a comemorar 333 milhões de relógios produzidos.
Estamos a aproximarmo-nos dos 500 milhões. Nunca na história uma marca vendeu tantos relógios. Nos últimos anos, a Ásia explodiu em termos de consumo, principalmente a China. E até nos Estados Unidos e na Europa, onde o ambiente económico é depressivo, temos aumentado as vendas, tanto em termos de Swatch como de outras marcas do grupo, inclusivamente as mais caras.
[Segundo os últimos dados, referentes ao primeiro semestre de 2008, o volume de negócios do Swatch Group aumentou 13,8 por cento e os lucros 16 por cento em relação a período homólogo de 2007]

A Swatch é um caso estudado mundialmente quanto a imagem, marca, desenvolvimento de produto. Passados 25 anos, está tudo feito?
Nunca. Há duas coisas que nunca podemos fazer – adormecer e perder a modéstia.
[Para assinalar o aniversário, a marca lançou as colecções Chrono Plastic e Villain, esta última dedicando um relógio a cada um dos vilões dos 22 filmes da série 007 /James Bond]

Esta é uma crise de tipo novo, onde coexistem em ambiente globalizado zonas a entrar em depressão e outras com forte crescimento económico.
É verdade. Mas esta crise é financeira e apenas está a afectar a economia real nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha e em Espanha, muito devido ao sector imobiliário. A economia real tem sido regularmente destruída pela economia financeira. O banqueiro costumava ser uma pessoa séria, que ajudava a economia real a desenvolver-se e ganhava dinheiro com isso. Hoje em dia, ele está transformado num especulador puro. E há mesmo alguns gangsters donos de bancos. Perdemos nas bolsas muito do valor criado pelos empresários. Se a relva no jardim do Governador do Wyoming não cresce segundo o previsto pelos analistas, as nossas acções perdem valor. Eu não perco, porque não estou a vender as minhas acções, posso esperar. Mas os pequenos sofrem. Os particulares com fundos de pensões sofrem muito. Os empresários têm que voltar a tomar conta disto, só eles podem salvar a situação. Estou farto da economia financeira, que nos arrasta mais uma vez para o abismo.

Fala dos empresários como sendo as pessoas mais importantes do mundo. O que é um empresário?
Acima de tudo, são artistas imaginativos e criativos – com grande grau de capacidade de comunicação, curiosos sobre novas ideias, capazes de reflectir criticamente sobre eles próprios e sobre a sociedade onde vivem, fascinados pela beleza e extremamente sensíveis ao destino do nosso planeta. Esta mentalidade permite ao empresário não apenas criar novos produtos e postos de trabalho como é absolutamente essencial para a imaginação e a coragem que são necessárias para ultrapassar os obstáculos. De facto, os únicos obstáculos que não podem ser ultrapassados são a morte e os impostos. Todos nascemos com esses dons de inovação, imaginação e sensibilidade. Mas aqueles que se recusam ao longo da vida a resistir às pressões sociais e aceitam cegamente as regras das nossas sociedades perdem-nos em larga medida. A sociedade em geral, a escola, o exército, a formação profissional, o emprego, todos eles nos vão retirando um pouco desse espírito de inovação, essa criatividade e visão saudavelmente crítica. É por isso que há muitos anos venho dizendo aos meus colegas, associados e amigos que devem tentar recuperar a imaginação que tinham quando eram crianças de seis anos. Quando assumi a administração da Breguet, organizei uma sessão de brainstorm com cerca de 35 relojoeiros, engenheiros e gente do desenvolvimento de produto. No final do dia, tínhamos produzido em conjunto 40 ideias novas – não novos designs ou novas cores, mas ideias! Inovações técnicas genuínas. Ter trabalhado durante os anos seguintes para colocar essas ideias em prática tem-me dado muito prazer. Os empresários têm que estar prontos a servir as pessoas e a sociedade em geral. Devem tirar genuíno prazer ao verem que o seu trabalho torna as pessoas à sua volta felizes. A sua tarefa é criar ou ajudar a criar novos empregos, prosperidade e verdadeiros valor material, moral e intelectual. A modéstia tem que estar sempre presente. Um empresário nunca deve esquecer que é apenas um pequeno e insignificante ser num planeta ainda mais insignificante – a nave espacial Terra – no meio de um imenso Universo. Quando falo com crianças, muitas perguntam-me: “como é que posso ficar rico? E eu respondo – não pensando como ficar rico. Se escolhemos o emprego que julgamos nos irá dar mais dinheiro, não vamos ter sucesso. Se criarmos algo de novo para a sociedade, ela dá-nos sempre em troca. Eu criei 200 mil milhões em nova riqueza, em emprego e a sociedade deu-me apenas 1 por cento disso – [risos] minto, 3 por cento... Mas isso é, mesmo assim, muito dinheiro.

A crise financeira

Voltemos à crise. E à maneira de sair dela. Está optimista?
Sempre fui um optimista, ao longo da minha vida. Trata-se da primeira grande crise do século XXI. Estamos no processo de aniquilação de riqueza a uma escala gigantesca, sem qualquer culpa da economia real ou dos industriais e sem que medidas eficazes sejam tomadas para controlar um sector da economia financeira que é controlado por apenas um punhado de pessoas. No decurso do século XX assistimos a oito crises financeiras significativamente destrutivas. Todas elas partiram do mundo anglo-saxónico e espalharam-se pelo mundo. Como agora. O sistema financeiro suíço tem sido paradigma de estabilidade e confiança, a nível mundial. Mas, a partir do final do século passado, uma larga parte do sector financeiro helvético começou a modelar-se cada vez mais pelos costumes e práticas dos mercados bolsistas e financeiros anglo-americanos. E essa mentalidade especulativa tem provocado na última década um poderoso impacto opressivo na cultura empresarial. Embora o dinheiro seja, claro, uma ferramenta importante para um empresário, ele não pode ser o único objectivo, quando se pretende criar novo valor, novos empregos e produtos. As bolsas têm um papel um papel positivo crucial na economia: fornecer dinheiro à indústria, quando ela necessita dele. No entanto, esta nova mentalidade financeira e bolsista conhece apenas um objectivo: ganhar mais dinheiro, cada vez mais dinheiro, custe o que custar. Este comportamento tem um efeito muito destrutivo sobre a indústria.

A culpa é, pois de Wall Street e da City…
Não me interprete mal: não há dúvida de que a cultura e a mentalidade anglo-americanas enriqueceram o nosso mundo com muitos aspectos positivos e em campos muito diferenciados – nas artes, nas ciências, nos negócios, na informática, na física, na medicina, ou na génese de uma carta de direitos humanos e no fortalecimento da democracia, apenas para nomear alguns. Mas a exasperante mentalidade financeira que infelizmente domina os mercados financeiros da América e, em certa medida, da Inglaterra, com as suas acrobacias infinitamente dúbias em questões de governance, falsa piedade hipócrita, pregação sem fim sobre as vantagens financeiras, liderada por operadores altamente especulativos, autênticos jogadores de casino, fariseus, não são de maneira nenhuma uma ajuda para a indústria, para a América ou para a economia mundial como um todo. O novo e maciço desenvolvimento de grupos anónimos e aglutinadores de gigantescas quantidades de liquidez em fundos globais, hedge funds internacionais, empresas financeiras, etc., e cujos gestores financeiros têm, na maioria dos casos, pouca ou nenhuma experiência empresarial e que nunca se interessaram verdadeiramente por outra coisa se não dinheiro é um fenómeno muito preocupante, extremamente prejudicial para o futuro da nossa prosperidade global partilhada. Veja-se o escândalo recente da vaga de especuladores sobre os alimentos e as matérias-primas. Ao comprarem largas quantidades de capital de companhias industriais cotadas em bolsa, esses fundos adquirem grande influência nas empresas, tentando impor os seus próprios interesses, a curto prazo. Muitas vezes, obrigam as empresas a sacrificarem os seus futuros empresariais em troca de dinheiro imediato.

O dinheiro “anónimo” manda na economia real…
Cada vez mais. Veja-se o caso suíço: nenhum residente estrangeiro que pague os seus impostos, não importa quão rico ou importante, obtém automaticamente e contra a vontade dos cidadãos suíços o direito de votar ao nível local, municipal, cantonal ou mesmo federal. Mas é isso o que se está a passar hoje com as empresas cotadas em bolsa. São precisas regras que restrinjam a compra por parte de investidores que vão contra os objectivos, cultura e produtos de uma determinada empresa. Também se deveria estudar limites na compra de acções, a partir dos quais teria que haver acordo dos outros accionistas. É urgente atacar esta situação dramática e pôr fim à destruição sistemática do desenvolvimento e inovação futuros. Mas isso não se fará com a criação de centenas de novos sistemas de controlo, resmas e resmas de papéis. O que é necessário é um novo processo que permita um controlo efectivo do sistema dos mercados financeiros por parte dos empresários. As empresas cotadas em bolsa são obrigadas a publicar em grande pormenor os seus números de vendas, detalhados segundo produtos e países. Estes dados são mais úteis para os concorrentes – que não publicam números nenhuns – do que para os próprios accionistas. Temos que encontrar uma solução para este dilema, assegurando que dados susceptíveis de puderem prejudicar uma companhia não necessitarem de ser publicados em todo o lado mas serem apenas vistos, por exemplo, por uma comissão de accionista.

A figura do financeiro está pelas ruas da amargura, mas a do empresário também se tem degradado, com as correntes liberais dos últimos anos…
Tem razão. Como é que se sente um empresário, visto muitas vezes pela sociedade ao nível de um saqueador, alguém que enriqueceu à custa de outros e de forma parasitária, só porque ele ganha cem ou duzentas vezes mais do que o empregado mais mal pago da empresa e – note-se – a quem se criou o posto de trabalho? E, ao mesmo tempo, estrelas como Ronaldo ou Beckham, que ganham muitos milhares de vezes os salários pagos a futebolistas no início de carreira, são celebrados como heróis.

Os analistas financeiros falharam, na actual crise. São eles a origem do “mal”?
Em parte. O treino requerido para essa profissão deveria incluir elementos de experiência empresarial e a definição da profissão não deveria ser deixada inteiramente nas mãos dos bancos. Muitos analistas financeiros são pouco mais do que adivinhos a lerem em bolas de cristal quando falamos de acertarem em alguma coisa. Hoje em dia, os preços das acções são tudo menos indicadores seguros sobre o verdadeiro valor das nossas empresas.

O futuro

Como vê uma saída para a crise?
As bolsas e o sistema financeiro global estão desesperadamente necessitados de uma reforma que envolva controlo por novos agentes, nomeadamente empresários e representantes da indústria. Empresários de todos os países, uni-vos! Libertemo-nos das nossas grilhetas! Não nos podemos permitir atravessar este século outras oito crises financeiras como as ocorridas no século passado. Estamos no meio da primeira grande crise deste século. O mundo precisa de um sinal da Suíça empresarial, que continua de boa saúde, apesar de tudo o que acontece em redor. Temos boas companhias – Nestlé, ABB, Swatch Group, Holcim, Fischer, Novartis, Roche, muitas outras. Devíamos ser nós a dar o primeiro passo na reforma, influenciando o nosso sistema bancário, que até é apesar das trapalhadas da UBS [União de Bancos Suíços] um dos mais bem geridos do mundo. Embora um pequeno país, com apenas 7,5 milhões de habitantes, somos uma potência económica e, quer queiram quer não, uma importante força moral no mundo. Muita gente nos vê como um país que tem uma democracia directa genuína. Que grande modelo de democracia é a União Europeia quando não permite aos seus povos que se pronunciem sobre o alargamento a mais dez novos países? Isso seria impensável na Suíça. Apesar do cinismo de certos críticos, defendo que a Suíça é a mais desenvolvida de todas as democracias, onde a vontade dos seus cidadãos é respeitada e onde o povo tem uma voz genuinamente igualitária no que respeita a coisas que o afecta. Todos os grandes países do mundo, e particularmente os novos países industrializados como a China, a Índia, os países árabes, a América do Sul e a África, bem como a Europa e os Estados Unidos, também pensam na Suíça como a nação que nunca possuiu colónias. Até pequenos países europeus como a Bélgica, a Holanda ou Portugal foram potências coloniais. Mas a Suíça não! Precisamos que os empresários portugueses, espanhóis, alemães, de toda a Europa, se juntem a este nosso movimento e nos ajudem a liderar a reforma do sistema financeiro mundial. Não espero que isso venha de Nova Iorque ou de Londres.

Se houvesse agora um referendo na Suíça sobre a adesão à União Europeia, votaria “sim”?
Se me fizesse essa pergunta há dez anos, responderia “sim”. Hoje, será “não”. Sou europeu, mais do que qualquer outro suíço. Mas a Europa cresceu nos últimos tempos de forma cada vez mais burocrática e anti-democrática. Alguém perguntou aos portugueses se queriam o alargamento a Leste? A União Europeia ainda vai ter que entrar em guerra com a Rússia devido aos interesses dos Estados Unidos.

Obama ou McCaine?
Obama. Mas até pode ser McCaine, pois será difícil fazer pior depois de Bush.

*A última entrevista de Nicolas Hayek a Estação Cronográfica (mas a última vez que estivemos com ele foi no stand da Tissot, na Baselworld 2010, em Março, onde nos cumprimentámos com um aperto de mão e ele piscou o olho, na sua habitual cumplicidade)

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