Est. June 12th 2009 / Desde 12 de Junho de 2009

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segunda-feira, 21 de junho de 2010

Memória - Pensamentos II*

No séc. XVII, o padre António Vieira lamenta-se nas suas Cartas de uma característica portuguesa que, porventura, hoje se manterá: “Já eu noutro melhor tempo me queixava de que a nossa nau não fazia viagem, por serem muitos os timoneiros e cada um na sua ampulheta seguir diferente rumo”.

A bordo, e praticamente até ao século XIX, o medidor de tempo usado foi sendo a ampulheta (o tempo é importante na navegação marítima e aérea, para determinação da Latitude, mas especialmente da Longitude). Os chamados cronómetros de marinha, inventados no séc. XVIII, tiveram o seu uso massificado apenas cem anos depois e só com a TSF o tempo a bordo passou a ser verdadeiramente exacto.

Os medidores do tempo, fossem eles relógios de sol, ampulhetas, ou exemplares mecânicos, sempre foram objectos apetecíveis para as figuras de estilo de autores mais ou menos inspirados.
Para muitos, o Universo era (e ainda hoje é para alguns) um relógio perfeito, criado e mantido pelo Supremo Relojoeiro, Deus.

No início do séc. XVIII, Soror Maria do Céu, em Avés Ilustrados, comparava: “Um mosteiro sem união é como um relógio desconcertado, tudo é tempo confuso, horas perdidas, cordas quebradas; uma congregação de religiosas é um retrato do Céu, se tem paz; e é um bosquejo do Inferno, se a não tem”.

No final do mesmo século, o beneditino Frei João dos Prazeres, dizia assim no seu Abecedário Real e Régia Instrução de Príncipes Lusitanos: “Senhor, em todo o negócio há V. R. A. de crer com mais seguridade ao parecer de um ministro desinteressado, do que à loquacidade de muitos requerentes: que tão inútil é para o governo um Príncipe, que de todos se fia, como aquele que desconfia de todos; porque mal pode saber o número das horas, quem não dá crédito a nenhum sinal dos relógios que ouve”.

E, ainda do seu Abecedário, retiramos: “É demérito das obras a falta de liberdade. Donde as operações de um Príncipe subordinado têm a mesma subordinação que a verdade com que o relógio declara nos golpes o curso com que o Sol gira no céu, que todos a atribuem ao cuidado do relojoeiro, e não ao curso do relógio”.

Já no séc. XIX, em Enfermidades da Língua e arte que a ensina a emudecer para melhorar, Manuel José de Paiva, decreta: “A língua é o mostrador do relógio, que diz com o acerto, o acerto que nele se acha: mas quando se desmancha este, logo ela o manifesta, para que ninguém o creia”.

Avaliando pela situação actual da língua portuguesa e do seu uso, há a circular por aí muito relógio desacertado.

*Crónica A Máquina do Tempo, publicada a 25/01/08 no suplemento Casual do Semanário Económico

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