Em Coimbra, mercê da reforma decretada pelo Marquês de Pombal, funcionou desde 1773 na Universidade um Gabinete de Física Experimental. A colecção inicial de instrumentos veio do Colégio dos Nobres, em Lisboa, entretanto extinto.
Resistindo ao tempo e a alguns desmandos humanos, chegou até hoje a colecção de instrumentos científicos do Gabinete, hoje Museu de Física, uma das mais importantes do país. Como já referimos anteriormente, é lá que se encontra um dos poucos relógios do “estrangeirado” João Jacinto de Magalhães – uma pêndula reguladora.
O Gabinete possui ainda outro relógio de Magalhães, embora instalado naquele que é, sem dúvida, um dos instrumentos científicos mais valiosos da colecção, a chamada Máquina de Atwood. Trata-se de um relógio de pesos, com a sua pêndula, a qual, ao mover-se, faz soar, de segundo em segundo, uma campainha montada no alto do mostrador. No centro deste, bem como na superfície da pêndula, lê-se a seguinte inscrição: “J. H. Magellan Lusitanus invenit atque fieri Curavit Londini”.
João Jacinto de Magalhães não só nos informa que acompanhou a construção, em Londres, deste exemplar da Máquina de Atewood, como nos declara que o pêndulo que ali se encontra é de sua invenção. A Máquina de Atwood foi até muito recentemente o melhor instrumento que se inventou para o estudo da relação entre o espaço percorrido por um móvel e o tempo necessário para o percorrer.
Este exemplar é um dos mais valiosos da colecção, “não pela qualidade do seu material ou pela beleza das suas linhas, mas por ser um dos primeiros exemplares da famosa máquina de Atwood, da própria época do inventor, e também por ter feito parte do material científico enviado de Londres por João Jacinto de Magalhães”, diz-se no excelente catálogo O Engenho e a Arte, editado em 1997, aquando da exposição com o mesmo nome, no âmbito da “Europália”, sobre os instrumentos científicos do Gabinete.
Mas há ainda outros instrumentos científicos, feitos a partir de ideias de Magalhães, como duas balanças de precisão ou um barómetro.
Durante as primeiras duas décadas do século XIX, o fornecedor principal do Gabinete foi o fabricante Jacob Bernard Haas, que possuía uma fábrica de instrumentos científicos em Lisboa. Este artífice, nascido na Alemanha em 1753, trabalhava em Londres quando foi contratado pela corte portuguesa a vir trabalhar para Lisboa, onde chega por volta de 1800. A trabalhar na Cordoaria Nacional, à Junqueira, a casa Haas publicava em 1813 um anúncio no Jornal de Coimbra, afirmando-se apta a fabricar barómetros, termómetros, higrómetros, balanças hidrostáticas, uma grande quantidade de quadrantes solares e relógios de sol, pluviómetros, óculos de teatro (binóculos), etc.
Mas, para uma História do Tempo em Portugal, além do relógio de Magalhães, deverão referir-se ainda os instrumentos de autoria de George Adams, pai e filhos, que neste caso não são relógios, não marcam o tempo, mas usam mecanismos relojoeiros para trabalhar. (o Gabinete possui ainda uma magnífica bússola dessa oficina).
Desde logo, uma espectacular roda para medir distâncias, que terá vindo do Colégio dos Nobres e será da autoria do pai. “Oito estádios são uma milha. Quarenta percas ou dez cadeias são um estádio. Quatro percas ou cem círculos de ferro são uma cadeia. Sete 92/100 polegadas são um círculo de ferro”, lê-se, em latim, no seu mostrador.
A Assembleia Nacional francesa iria aprovar, em 1790, a constituição de um sistema unificado de pesos e medidas que pusesse cobro à confusão que existia no país. Para a unidade de comprimento, estabeleceu-se que o padrão seria uma fracção do comprimento do meridiano terrestre. A missão foi confiada a Jean-Babtiste Delambre e Pierre Méchain que, de 1792 a 1799, partindo um de Dunquerque, o outro de Barcelona, atravessando a França revolucionária, mediram as distâncias mais com métodos trigonométricos do que com as rodas do tipo Adams. Estava achado o metro-padrão, seguindo-se, nas tabelas decimais que a França exportou para o Mundo, o quilograma-padrão.
Houve também a tentativa de dividir o dia em 10 horas, cada hora em 100 minutos, cada minuto em 100 segundos. Esta proposta, de 1793, foi abandonada dois anos depois, mas ainda se construíram relógios com mostradores “decimais”.
Terminamos com outra peça Adams existente no Museu de Física – Departamento de Física da Universidade de Coimbra: trata-se de um autómato, representando a figura de um centauro, com o habitual emprego de mecanismo relojoeiro. Estabelecido em Fleet Street, Londres, George Adams foi, juntamente com os filhos, George Adams Jr. E Dudley Adams, um dos principais construtores de instrumentos científicos do seu tempo, tendo a casa sido fornecedora em exclusivo do rei Jorge III. Fundada em 1734, a casa Adams de Fleet Street só viria a acabar em 1817, por falência.
“Pensamos que o centauro terá sido adquirido a Adams filho, pois esta peça entrou para o Gabinete já em Coimbra, logo depois de 1773 e Adams pai morre em 1772”, explica-nos Ermelinda Ramos Antunes, directora do Museu.
Sendo assim, Adams filho utilizou um pequeno centauro, em prata, assente em caixa octogonal, de madeira preta, munindo-o de mecanismo para o lançamento de setas. O centauro segura, com o braço esquerdo estendido, um arco flexível de aço. O braço direito está dobrado, como que prestes a lançar uma seta. Tem um cinturão a tiracolo e uma aljava onde se encontram duas setas. A peça foi adquirida por João António dalla Bella, um italiano de Pádua, professor no Colégio dos Nobres, primeiro, e na Universidade de Coimbra, depois. Serviu o centauro para o ensino da Mecânica.
Os autómatos são um importante capítulo na História da Relojoaria e quase não os há em Portugal. O centauro de Adams, avariado há muito no seu mecanismo, merecia decerto um restauro cuidado e uma exposição mais consentânea com a sua importância.
A pista da semana é, pois, o Museu de Física da Universidade de Coimbra, com os seus relógios e outros instrumentos científicos que usam mecanismos relojoeiros para funcionar.
Para saber mais: História do Tempo em Portugal - Elementos para uma História do Tempo, da Relojoaria e das Mentalidades em Portugal (Diamantouro, 2003).
Sem comentários:
Enviar um comentário