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sábado, 7 de novembro de 2009

Pista da semana - O Tempo dos Romanos

Os primeiros relógios de sol terão entrado no território que é hoje Portugal através da conquista romana. Mas é grande a raridade e escassez de referências a esse tipo de artefactos. Deste período, foram encontrados até hoje alguns exemplares, como um, em barro, em Conímbriga; um, de quadrante esférico, proveniente da vila romana da Herdade da Olivã, Campo Maior, junto à fronteira espanhola; ou um fragmento, em pedra, no teatro romano de Lisboa e outro, também em pedra, na vila de Freiria (S. Domingos de Rana, Cascais).
Quanto a este último, foram recuperados dois fragmentos, em calcário da região, permitindo a reconstituição da quase totalidade do relógio, cerca de três quartos, e determinar, desde logo, que se trata de um quadrante de tipo cónico, e gnómon horizontal, expressamente construído para uma latitude muito próxima da do local: 39-40 graus.

De secção meio cilíndrica, apresenta um orifício central na parte superior, para fixação do gnómon, com 12 mm de diâmetro e a profundidade de 28 mm. No pequeno buraco observam-se, ainda, vestígios de chumbo.

“Embora só sejam visíveis, actualmente, dez segmentos horários, o que permite obter nove espaços, o quadrante apresentava, decerto, originalmente, os onze que são habituais”, diz o arqueólogo Guilherme Cardoso no artigo que lhe dedicou em “O Arqueólogo Português”. Os espaços horários não estão equidistantes, mas tais anomalias podem ter sido provocadas por deficiente traçado nas linhas ou, também, pelo desgaste sofrido pelo calcário. “Evidentemente que a irregularidade destes espaços torna impossível a exactidão horária, o que não será de estranhar se pensarmos que o que, na época, mais interessaria era marcar a hora meridiana (o meio-dia)”, refere Guilherme Cardoso. Mas o exemplar mais interessante, até porque o único rigorosamente datado e aquele que alguma controvérsia tem gerado, é um que não foi até hoje descoberto mas cuja existência está documentada numa inscrição.

Estamos a referir-nos a uma lápide romana, de 16 a.C., trazida de Idanha-a-Velha por um antigo Conservador do Museu Etnológico Português (hoje Museu de Arqueologia). Diz-nos Leite de Vasconcelos, em 1915, que se tratava da mais antiga inscrição romana no espólio do museu.

Nela se lê “(h)orarium”, e, segundo ele, poderá ter figurado num edifício construído de raiz para albergar um relógio de sol, na praça ou “forum” da capital dos Igaeditani. “É uma das nossas mais notáveis lápides epigráficas, tanto pela sua significação, como pela vetustez e por estar datada”, refere aquele que foi também Director do Museu Etnológico.

A norte do Tejo, a hoje Idanha-a-Velha (Civitas Igaeditanorum), a capital da Igitânia, revelou-se como o centro romano mais rico em inscrições latinas (mais ou menos 200), traduzindo a importância da urbe nas rotas comerciais da região no século I da nossa era.

A inscrição, uma das mais antigas que se conhecem em território da Lusitânia, diz-nos que um tal Q. Iallius Augurinus mandou construir, à sua custa, um “(h)orarium” (relógio), que ofereceu à cidade de Igaeditanis.
Quem estudou primeiro e mais profundamente a inscrição foi F. Alves Pereira, nos anos 30 do século XX, dizendo-nos que a lápide é de granito azul e que foi descoberta em 1905 entre as pedras de um muro de construção medieval, construído pelos Templários em redor de Idanha.

Depois, interessou-se por ela o arqueólogo Scarlat Lambrino, que faz notar o seguinte pormenor: o termo (h)orarium é usado, pela primeira vez com o significado de relógio (de sol).
Anteriormente, tinha sido usado para significar “relógio de água, clepsidra”. Normalmente, os romanos designavam “relógio” através do neologismo grego que deu o equivalente latino de “horologium”, termo este que aparece frequentemente em outras inscrições.

Seria o relógio da Idanha um relógio de água, uma clepsidra, que é um engenho “de um mecanismo muito mais delicado?”, pergunta Lambrino. “É verdade que o uso destes aparelhos se tornou corrente em Roma durante o reinado de Augusto e que na segunda metade dos séculos I e II da nossa era o seu uso expandiu-se muito mais”, refere. “Mas a nossa inscrição é do ano 16 a.C. e estamos no extremo ocidental do império”, conclui, defendendo pois que a lápide se referia à oferta de um quadrante solar.

Quem seria Q. Iallius Augurinus? “Como ele não ostenta nenhum título, podia tratar-se de uma personagem rica da cidade”, diz-nos Lambrino. Mas o especialista diz que isso é pouco provável, inclinando-se antes para a hipótese de se tratar de um industrial ou comerciante da vizinha Emérita, que ia à Idanha em negócios. Os quatro “magistri” da cidade (poder municipal) ficaram encarregados da fiscalização da construção da edificação onde ficaria albergado o relógio em questão. Estão identificados na lápide segundo a fórmula local: nome e filiação, e nenhum ostenta os “tria nomina” de um cidadão romano. “Estas quatro personagens são todas provavelmente celtas”, arrisca Lambrino.

“A doação de um instrumento tão útil à vida urbana, ocorrida no ano 16, ou seja, três anos apenas após o fim das guerras contra os Astúrios e os Cantábrios, mostra que a pacificação da Península por Augusto permite à civilização romana expandir-se rapidamente até à costa atlântica”, escreve Lambrino.

Mais recentemente, o arqueólogo Vasco Mantas, em comunicação apresentada em 1988 num congresso em Santiago de Compostela, voltava a sugerir, pelos motivos etimológicos já apontados (mas afastados) por Lambrino, que o relógio da antiga Igaiditanis era de água (clepsidra) e não de sol.

A pedra com a inscrição voltou entretanto para o Núcleo Arqueológico e Museológico de Idanha-a-Velha.
De qualquer modo, os relógios públicos serão de uso comum no início do século II, regulando a vida e o trabalho nas cidades lusitanas. A prova disso é que até uma pequena cidade operária como a de Metallum Vipascence (Aljustrel), no Alentejo, devia ter um. Graças a uma das célebres tábuas encontradas nesse local e que contêm o regulamento mineiro da localidade, sabemos que ali existiam umas termas, mas à disposição dos habitantes a horas fixas: as mulheres podiam usá-las desde o nascer do sol e até à sétima hora, os homens a partir da oitava hora do dia. (Para o cálculo das horas no tempo da ocupação romana, variáveis segundo a Estação, deve ter-se em conta os seguintes pontos fixos: hora prima começa ao nascer e ao pôr do sol, o meio dia e a meia noite coincidem com o início da hora septima).

São pois três as pistas da semana: A Placa Vispacense encontra-se no Museu Geológico, em Lisboa. Como vimos, há um relógio de sol romano no Núcleo Museológico e Arqueológico da Vila Romana de Freiria . Por fim, é sempre de recomendar uma ida a Idanha a Velha, um autêntico museu ao ar livre.

Para saber mais: História do Tempo em Portugal - Elementos para uma História do Tempo, da Relojoaria e das Mentalidades em Portugal (2003)

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