Em Sintra
Lisboa a arder. Domingo. A gare cheia.
Vai largar o comboio. É tempo. E logo
Vamos rolando entre a cidade feia
E muros altos, sob um céu de fogo.
- Horas de paz premiando tanta lida!... –
Pouco depois o túnel já distante
Uns grandes arcos passam Campolide
Pra Lisboa, com passos de gigante.
Pára o comboio e uma voz de moça
Lança um lindo pregão: entra mais gente…
E este ri, outro canta, aquele troça,
E o comboio segue alegremente.
Um mar de relva espraia-se à distância,
Searas p’ra o longe e ainda mais longe o mar,
E agora o ar é cheio de fragância,
E os nossos maus pulmões já sentem ar!
Na minha frente uma família inglesa;
Curva-se para um livro um rapaz novo;
Mas não falta a guitarra portuguesa
Nem a velha alegria deste povo.
Tudo alegre e feliz por este dia,
Cheios de sol, de pó, gente que ri.
Como é honesta aquela companhia
E como nos tornamos bons ali!
Ó soturno Suíço dos lit’ratos,
Com tanta inveja e coisa miseranda
Toma um banho, sacode os teus sapatos
E vem connosco para Sintra, anda.
É a feira de Agosto em que as mais belas
Damas da nossa terra e as mais nobres
Não sei se vendem rosas ou estrelas,
Mas enchem de oiro e amor as mãos dos pobres.
Festa linda a que a estrela da manhã
Vem no mais nobre vulto de Princesa,
Tão boa que parece nossa irmã!
Tão linda que parece portuguesa!
E fico-me a pensar na terra santa…
- Estações passam; é mais fraco o vento –
E já p’ra longe a Pena se alevanta
Apontando para o céu alto e cinzento.
A serra toda cheia de verdura
Vem até nós num áspero declive…
Salve habitação tão casta e pura!
Ó ninho de águia onde uma pomba vive!
Mas chegamos. E pela estrada fora,
Cheia de sombra e cheia de alegria,
Uma fontinha é tudo quanto chora
E sofre em Sintra por aquele dia.
Vestidos claros, chapéus de abas largas
Tudo se funde agora por um atalho…
E vale esta hora boa as cem amargas
De uma longa semana de trabalho!...
Romarias da Beira, que saudade!
Sob este mesmo Sol e o mesmo céu,
Como descantes, sem nada da cidade,
Rosas no peito e santos no chapéu.
É toda a festa aqui dif'rente em tudo
- De semelhante é só o que se ri –
As raparigas vestem de veludo
E há-de haver chapéus altos por aí…
Mas tem graça; é o gosto de luzir
De que fala o grande Eça e que, afinal,
Como ele o viu e no-lo fez sentir,
É português, é nosso, é natural.
E chegamos ao termo da romagem;
Vamos cheios de pó; há sol ainda…
Barracas enfeitadas de folhagem,
Mulheres, crianças, e a paisagem linda…
O céu formoso tem de quando em vez
Uns vagos tons de cobre. O chão é ardente…
E para que seja tudo português
Uma charanga toca horrivelmente.
Não temos música; é a nossa falha!
Sabemos a do vento e mais do mar…
É a da Índia e do campo de batalha,
Que o próprio fado é um modo de chorar!...
Mas no local da festa, de repente
Tudo se agita, os olhos com mais brilhos,
E correm para a porta ansiosamente;
É a Rainha que chega entre os seus filhos.
Ó ramos dessas árvores frondosas,
Inclinai-vos agora até ao chão!
Ó criancinhas, atirai-lhe rosas!
Poetas de Portugal, beijai-lhe a mão!
E a tarde cai. Voltamos. Toda a estrada
É cheia de sorrisos e de gente…
Salta de ramo em ramo a passarada…
E subo p’ra o comboio tristemente.
Deito p’ra Pena um longo olhar ainda…
Distingue-se no céu já uma estrela .
Sintra cheia de graça e sempre linda!
Sintra de Bernardim, do Lord e d’Ela!
Fausto Guedes Teixeira, poema escrito em 1902, motivado por um passeio de comboio, em Agosto, até Sintra
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1 comentário:
Quando um poema tem nível
não perde nunca o valor
visto não ser susceptível
de se cobrir de bolor!
JCN
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