EMBALSAMAR O TEMPO ? A História da Arte, tal como o Sísifo da História, é o ofício de «reconstituir a realidade». Mas estas serão «palavras presunçosas e temerárias, pois é a realidade que nos constitui e reconstitui na sua roda lenta», como diz Darlei, personagem de Lawrence Durrell, no maravilhoso 'Clea' (1960). Cito-o(s): «... eu empreendera outrora arquivar, codificar e anotar o passado antes de inteiramente perdido -- pelo menos decidira fazê-lo. Falhei (seria uma tarefa desesperada ?) pois mal enbalsamava em palavras um dos seus aspectos logo a intrusão de um novo conhecimento quebrava os moldes do quadro e tudo se desmoronava para se reajustar sob novos planos invisíveis e imprevistos»...
Recordo, 'malgré tout', Georges Didi-Huberman quando lembra
que a arte não se faz ignorando a desordem do mundo mas pode consolar os que
nela (e com ela) vivem. O trabalho do historiador das artes é, pois, um desafio analítico-comparatista do
saber ver. Como dizem ambos -- o escritor Durrell e o filósofo Didi-Huberman
--, as imagens tomam posição e coincidem num ponto: exprimem a infinda
compaixão pelos outros, os oprimidos da História, as vítimas do mundo transfigurado
em arena de cobiças, o mistério vivencial dos deserdados na busca de algum
saber que conforte.
Vítor Serrão
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