LUZES. «O amor é uma caninha verde que até no deserto se dá». Mas, não o esquecem os setenta residentes na Casa de Repouso, tudo o que palpita na existência será vento, e ar, e cinza, e esquecimento. Assim nasce um romance humaníssimo e poderosíssimo: 'Misericórdia', de Lídia Jorge (D. Quixote, 2023). Um arco de reflexões «entre sangue pisado e afirmação de estilo». Uma narração que decorre como uma espécie de registo diarístico a partir das notas de uma mulher (a própria mãe da romancista) lançadas, «entre o relatório e a ficção», de 18-4-2019 a 19-4-2020.
Leio hoje no Correio do Ribatejo a recensão do poeta José do
Carmo Francisco, que mais aguça o desejo de ler «um dos livros mais audaciosos
da literatura portuguesa dos últimos tempos»... «São setenta os residentes,
como setenta vezes sete são as recomendações de Jesus Cristo para perdoar... A
vida é princesa, mas o tempo é rei».
Um testemunho admirável da nossa finita condição humana -- o
elogio do direito à dignidade como princípio de todas as coisas. E, mais ainda,
o milagre da arte de bem pensar, escrever e escavar no fundo das almas.
Vítor Serrão
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