Est. June 12th 2009 / Desde 12 de Junho de 2009

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quarta-feira, 29 de outubro de 2025

Meditações - a vastidão dos tempos cosmológico e geológico

UM MILHÃO DE ANOS, UMA MIGALHA NO TEMPO DA TERRA


No dia-a-dia, o tempo mede-se em horas, minutos e segundos nos mostradores dos nossos

relógios de pulso. Na História, mede-se em anos, séculos e milénios, usando, para tal,

pergaminhos e outros documentos com significado cronológico. Na Pré-história faz-se outro

tanto com base em objectos vários e fala-se de milhares e, em muitos casos, de milhões de

anos.


A escala do tempo dilata-se ao historiarmos o passado geológico e ainda mais se recuarmos

aos começos do Sistema Solar e do Universo, onde os milhares de milhões de anos marcam as

etapas percorridas com uma imprecisão que se esfuma nessa “eternidade”. Mil milhões de

anos a mais ou a menos nos primórdios da matéria de que somos feitos representam o mesmo

grau de imprecisão do milhão de anos a mais ou a menos no tempo dos dinossáurios, do mais

ou menos um ano na história do velho Egipto, ou do mais dia - menos dia, mais minuto -

menos minuto, no tempo que estamos a viver. No decurso da nossa existência revemos, sem

dificuldade, o nosso tempo, o dos avós e até o da História, mas é com esforço que abarcamos

ou evocamos a vastidão do tempo geológico, que só encontra paralelo na imensidão das

distâncias astronómicas.


Como na História, também a Geologia necessita de documentos e esses temo-los nas rochas,

quer sejam os fósseis, quer alguns dos seus minerais contendo isótopos radioactivos. Entre as

variáveis susceptíveis de serem correlacionadas com o tempo, apenas duas – a evolução

biológica e a desintegração radioactiva natural – têm lugar de forma irreversível, uma vez que,

qualquer destes dois processos se desenvolve apenas num sentido. Porque de uma história se

trata, a Geologia tem no tempo um dos seus pilares, sendo aí encarado sob duas perspectivas

distintas: a de tempo relativo e a de tempo absoluto.


Na perspectiva de tempo relativo procura-se saber se um dado evento ocorreu antes, depois

ou em simultâneo com outro, isto é, se lhe foi anterior, posterior ou contemporâneo. De há

muito que as relações geométricas, observáveis no terreno, entre os diversos corpos rochosos

aflorantes, têm sido utilizadas no estabelecimento da ordenação cronológica dos

acontecimentos geológicos de que são testemunhos. Uma tal ordenação é particularmente

evidente nas rochas estratificadas, nas quais os estratos ou camadas se sucedem numa

imediata sugestão de sequência no tempo. Tal ordenação é a mesma patenteada numa pilha

de papéis na secretária de um burocrata. A relação entre o empilhamento dos estratos

rochosos e o curso do tempo chamou a atenção do dinamarquês Nicolau Steno, no século XVII,

constituindo uma das primeiras ideias fundamentais da geologia, conhecida por Princípio da

Sobreposição, segundo o qual, numa sequência estratificada não deformada, qualquer camada

é mais moderna do que as que lhe ficam por baixo e mais antiga do que as que se lhe

sobrepõem. Evidente à luz dos conhecimentos actuais, este princípio representa um avanço

notável para a época em que foi enunciado. Nele se relacionam, pela primeira vez, as rochas

estratificadas com o processo de deposição progressiva dos sedimentos que as integram, a que

corresponde uma ideia de sucessão no tempo.


Como marcos cronológicos, também os fósseis, escalonados na cadeia evolutiva da

biodiversidade, nos permitem uma abordagem do tempo relativo. No que se refere à evolução

biológica, desde há muito que se constatou, através dos fósseis, que as espécies animais e

vegetais do passado foram surgindo ao longo da história da Terra, se mantiveram durante

períodos mais ou menos longos, acabando, quase sempre, por se extinguir, não voltando a

aparecer.

 

Leonardo da Vinci (1452-1519) foi o primeiro a reconhecer os fósseis como testemunhos de

outras vidas em épocas passadas. Até então e mesmo depois dele, os fósseis eram vistos como

caprichos da natureza. Só no século XVIII se estabeleceu definitivamente a sua interpretação

como restos de seres vivos do passado.


Os fósseis representam, assim, elos de uma cadeia de complexidade crescente. Neste

entendimento, e graças ao muito trabalho dos paleontólogos, sabemos, por exemplo, que as

camadas de rochas sedimentares com fósseis de trilobites são mais antigas (Paleozóico) do

que as que conservam ossadas de dinossáurios (Mesozóico) e que estas, por sua vez, são

anteriores às que serviram de jazida aos mamutes ou aos australopitecos (Cenozóico), nossos

avós. Este raciocínio, aqui exemplificado para grandes intervalos de tempo, ao nível das eras

geológicas, faz-se correntemente para intervalos mais curtos, como são os representados

pelos sistemas (períodos), séries (épocas), andares (idades), subandares e outros ainda mais

reduzidos. O mesmo tipo de conhecimentos habilita-nos a considerar geologicamente

contemporâneas todas as rochas que, em quaisquer lugares, contenham os mesmos fósseis.

Aplicável a muitíssimas espécies fósseis conhecidas, estes raciocínios têm vindo, a partir do

século XIX, a permitir escalonar no tempo o conjunto das sequências de rochas sedimentares,

onde se encontra o essencial do registo fóssil de toda a biodiversidade que nos antecedeu. E

também em rochas metamórficas, num grau de intensidade relativamente baixo

(anquimetamorfismo), como é o das séries paleozóicas de Norte a Sul de Portugal.

Na outra perspectiva, a do tempo absoluto, passível de quantificação, o tempo tem o sentido

de duração e, assim, refere o intervalo que medeia dois acontecimentos ou o que decorreu

entre um deles e o momento presente, isto é, a sua idade. Uma das vias mais frutuosas na

medição do tempo geológico nasceu com a descoberta da radioactividade por Henri

Becquerel, em 1896, e ganhou corpo com os trabalhos sobre a constituição e funcionamento

do núcleo atómico levados a efeito por Marie e Pierre Curie e muitos outros físicos. Tais

avanços da ciência, com reflexos na medição do tempo, foram sabiamente aproveitados por

vários investigadores, entre os quais o geólogo inglês Arthur Holmes, que “só não foi prémio

Nobel porque a Geologia não figura entre as disciplinas contempladas no respectivo

regulamento”.


Executadas por rotina em muitos laboratórios de todo o mundo, as determinações de idade

isotópica (baseada no comportamento natural de alguns isótopos radioactivos) de alguns

minerais permitiram-nos enquadrar, em termos de cronologia absoluta, as grandes etapas da

história da Terra a da Vida, muitas delas, de há muito definidas em termos de idade relativa.

Sabemos hoje que o planeta Terra se formou há aproximadamente 4540 Ma, que os

dinossáurios não avianos (as aves, hoje aceites como descendentes de um certo grupo de

dinossáurios, são, assim, dinossáurios avianos) fizeram a sua aparição há cerca de 235 Ma e

que desapareceram, de vez, há 65 Ma. Sabemos que o granito das Beiras tem à volta de 300 e

que o de Sintra, apenas 85 Ma. E a lista de rochas e de acontecimentos de que conhecemos a

idade absoluta é imensa e não pára de crescer.


O trabalho monumental empreendido pelos paleontólogos, ao longo dos séculos XIX e XX,

permitiu, como se disse, um aceitável escalonamento no tempo, baseado nos fósseis, e o

estabelecimento de eras, períodos, épocas e outras divisões temporais mais finas.

Posteriormente, mercê dos avanços no conhecimento geológico e dos progressos da física dos

isótopos e das tecnologias de análise, dispomos hoje de uma escala cronostratigráfica na qual,

com pormenor sempre melhorado, as divisões temporais, baseadas nos fósseis, estão

agrupadas em intervalos de tempo de diferentes hierarquias, cotados por valores numéricos

 

referidos à unidade de tempo geológico adoptada, isto é, o milhão de anos, nada menos do

que dez mil séculos, uma enormidade no horizonte temporal das nossas vidas, mas uma

migalha no tempo da Terra.


Notas:

A maioria das pessoas nunca mentalizou a ideia de milhão, mas pode fazê-lo nos dois

exemplos abaixo.

(1) Um caminho que nos conduz à referida ideia, é a de darmos uma badalada por segundo no

sino de uma qualquer igreja. Então, para completarmos 1 000 000 de badaladas, teríamos de

estar permanentemente activos, durante 11 dias, 13 horas, 46 minutos e 40 segundos, sem

comer, nem dormir, nem descansar.

(2) Para, numa balança de precisão, equilibrarmos um grama de peso, temos de lá colocar 62

grãos de arroz. Uma regra de três simples diz-nos imediatamente que cem grãos pesam 1,61 g,

que mil grãos pesam à volta de 1,6 kg e que um milhão deles perfaz cerca de 16 kg. Dito de

outra maneira, precisaríamos de 16 sacos como os que se vendem no mercado, para guardar 1

000 000 de grãos desse arroz e ainda ficam de fora 100 g deste cereal.

 

António Galopim de Carvalho

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