Não choro a perda da minha infância; choro que tudo, e nele a (minha) infância, se perca. É a fuga abstrata do tempo, não a fuga concreta do tempo que é meu, que me dói no cérebro físico pela recorrência repetida, involuntária, das escalas do piano lá de cima, terrivelmente anónimo e longínquo. É todo o mistério de que nada dura que martela repetidamente coisas que não chegam a ser música, mas são saudade, no fundo absurdo da minha recordação.
Fernando Pessoa, Livro do Desassossego
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