Est. June 12th 2009 / Desde 12 de Junho de 2009

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quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Meditações - o tempo do relojoeiro

É um relógio despertador muito antigo. Da "fundação", como dizia o meu pai quando se queria referir aos primeiros anos de casado. É um Cyma, com um mostrador amarelado, ponteiros fosforecentes, de uma elegância única (idêntico ao da imagem). É um relógio pesado como, com os anos, aprendi que devem ser o despertadores, a quem temos a tentação involuntária de dar matinais encontrões e que, por essa razão, têm de ser capazes de resistir a isso.

Quando fui estudar para a universidade, os meus pais "cederam-mo". Anos mais tarde, quando quis devolvê-lo, o meu pai disse: "Já não preciso dele. Estima-o!". É isso que tenho feito, até hoje. Está numa estante lá em casa, "a olhar" para mim. Sendo "a corda", já não dá muito jeito.

Na vida, tive vários despertadores, desde aqueles grandes, de "A Reguladora", de Vila Nova de Famalicão, que "andam" de lado, quando tocam para despertar, até umas coisas plásticas, de pilhas, que têm um sensor que os cala por minutos com a nossa voz e que, quando caem ao chão, se desconjuntam todos. Hoje tenho um relógio elétrico qualquer, comprado num "free shop", sem nenhuma graça.

Neste mesmo hotel onde hoje estou hospedado, em Varsóvia, havia nos quartos, até há dois anos, uns despertadores elétricos magníficos, pesados, precisamente do género que me convinha, isto é, dos que não zarpam da mesa de cabeceira quando, estremunhados, acordamos de sopetão. Era o despertador ideal!

Falei na receção, dizendo que gostava de adquirir um. O empregado ficou atrapalhado, consultou um superior com elasticidade mental nórdico-burocrática e, no termo da reflexão conjunta, veio dizer-me, um pouco embaraçado, que a melhor solução seria talvez eu levar "distraidamente" comigo o relógio. Na pior das hipóteses, debitavam-mo mais tarde no cartão. Como não gosto destas "cenas", não levei o relógio. Verdade seja que, desde há um ano para cá, os quartos do hotel deixaram de ter despertadores. Terá sido a "procura"?

Mas esta nota é, basicamente, a propósito do Cyma de que atrás falei. Há algum tempo, decidi dar-lhe um banho metálico, reconstituir a fosforescência dos ponteiros, enfim, fazer um "lifting" ao relógio, por forma a "estimá-lo", como prometera ao meu pai que sempre faria. Haviam-me reconendado um determinado relojoeiro lisboeta, especializado em aparelhos antigos.

Fui lá com o Cyma e negociei com o homem o que fazer à máquina. Quando lhe perguntei quando estaria pronto o trabalho, deu-me uma resposta vaga. Deixei passar dois meses. Voltei por lá e o meu despertador estava sobre uma prateleira, tal como eu o deixara. "Passe por cá no mês que vem!".

Deixei passar bem mais do que isso e, um dia, voltei à loja. Notei o homem um pouco abespinhado com a minha insistência e, quando, com alguma impaciência, lhe perguntei quando é que, afinal, eu poderia ter o relógio pronto, com toda a certeza, deu-me uma resposta seca:

- Ó meu amigo! Eu aqui não funciono assim, não corro contra o tempo!

Bela filosofia para um relojoeiro, pensei para comigo. E levei o relógio de volta.

Francisco Seixas da Costa, no blog duas ou três coisas


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