Trazemos um calendário na pele e na alma.
Somos feitos de tempo, amassados da argila dos dias, tecidos em estações, idades e horas.
Somos feitos de cronometrias, isto é, de medições de tempo, próximas e distantes, numéricas e incontáveis, visíveis e invisíveis. Urdidos nesse tear paciente e misterioso que é o tempo (e que são os tempos!), trazemos um calendário na pele e na alma. Falar do tempo é, portanto, falar também desta complexa aparição a nós próprios, referir a surpresa com que nos colhemos ao longo de uma vida, nomear o espanto de, tantas vezes, sermos uma completa interrogação para nós mesmos.
Quando eu me vejo, quem vejo? Quando eu me olho, é a mim mesmo qu eobservo? Esta pessoa que eu tinha a certeza de conhecer muito bem, com uma estabilidade inquestionável – eu sou isto, eu sou aquilo – percebo-a final em mutação, pois cada um de nós é um fluxo, uma viagem, um projeto aberto, um amadurecer, uma epifania inacabada no tempo.
Escreve, por isso, Santo Agostinho nas Confissões: "Que é pois o tempo?Se ninguém me pergunta eu sei, mas se desejo explicar a quem o pergunta não o sei."
José Tolentino Mendonça
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016
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