Est. June 12th 2009 / Desde 12 de Junho de 2009

A daily stopover, where Time is written. A blog of Todo o Tempo do Mundo © / All a World on Time © universe. Apeadeiro onde o Tempo se escreve, diariamente. Um blog do universo Todo o Tempo do Mundo © All a World on Time ©)

quarta-feira, 20 de março de 2013

Meditações - o que perde o mês, não perde o ano

ÉCLOGA I

À sua conversão

Lançou-se Limabeu antre huns penedos
Donde via correr hum claro rio,
Acostumado a ouvir os seus segredos.

Com os olhos num bosque alto, sombrio,
A quem a primavera já pagava
A perda que lhe fez o tempo frio.

— Aquillo í começou ) que vos contava,
Plantas, agoas, penedos, foi engano;
Já me desenganou quem me enganava.

Mais foi a perda sua que meu damno,
Mas (como dizem ) tudo tempo cura,
Pois o que perde o mês, não perde o anno.

Engeita-se no campo a fermosura
Do lírio já colhido, que não cheira :
Mais ha de ter o bosque que verdura !

Inda mal ! pois não foi esta a primeira
(Como devera ser) que me levara,
Donde não vira mais esta ribeira.

Não falta nos desertos agoa clara,
A lapa que da calma me defende.
Se ventar, ou chover, também me ampara.

Alli tem liberdade, alli se estende
O pastor solitário com seu gado; •
Não se offende d'alguem, ninguém offende.

Não tenho que fazer no povoado ;
A razão me conselha que me guarde,
Eu não me atrevo nelle andar guardado.

Se escutar sempre quem me diz, que aguarde,
Nunca já buscarei, a quem me espera ;
E pior me será nunca, que tarde.

Ainda que mais males não tivera.
Quem bens na terra tem, que ser cativo
Delles, por isso só fugir devera.

Após dum gosto falso, fugitivo,
Leve, de noite vou, cego, ás escuras,
Sem me lembrar que para morrer vivo.

Quebraram-se, meu Deos, as pedras duras ;
Mostrou o sol e lua sentimento;
E não vossas humanas creaturas !

Eu só, meu Redemptor, vos atormento !
Eu fiz os vossos cravos, cruz, e lança,
Por obra, por palavra, e pensamento. . .

E Vós encheis minh'alma de esperança
Com tão claros sinais de piedade,
Que quasi já não sei temer vingança.

Longe está de sentir suavidade
Divina, cá na terra, quem não nega
Pela vossa, Deos meu, sua vontade.

A alma, que em vossas mãos presa se entrega
Não tem de que temer, nada recêa,
A névoa deste mundo não na cega.

Nas lagrimas de dôr, em que semêa,
Colhe suave fruito de alegria,
Saudoso da sua em terra alhêa.

Se aquelles a quem guerra não fazia
Nenhum dos nossos mores três imigos,
Porque a serpente então pouco podia :

(Fallo daquelles nossos pais antigos,
Que não lograram inda hum dia inteiro,
Quando livres estavam de perigos),

Que farei eu de sua culpa herdeiro,
Com tantas sobre tantas nesta vida,
Antes mais propriamente cativeiro ?

Em peccados, Senhor, foi concebida,
Em peccados minh'alma foi creada,
De peccados tão mal arrependida !

Mas pois no vosso sangue foi lavada
(Força de poderoso amor divino ! )
He justo que em Vós viva confiada.

Viestes amostrar ao peregrino
O caminho da sua natureza ;
Querer ir lá por outro he desatino.

A carga que causou minha fraqueza
Os passos me detém, faz-me que deça,
E quanto deço mais tanto mais pesa.

Não vos peço, Senhor, porque mereça
Graça para ficar antre esta Serra,
Mas porque Vós quereis que vo la peça.

Aqui não temerei a cruel guerra ;
Daqui verei no Ceo fermosas cores ;
Assi me esquecerão cousas da terra.

Não colhem sem suar os lavradores ;
Não nasce sem morrer primeiro o trigo :
Os mimosos não são para pastores.

O vigiar escusa de perigo,
O padecer levou muitos á gloria,
Desenganado emfim estou comigo,
Que sem guerra não pôde haver victoria.

Frei Agostinho da Cruz

Sem comentários: