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segunda-feira, 18 de março de 2013

Meditações - convertida a velhice em mocidade...

ELEGIA VII

Ao fim da vida

Como cisne, que canta na ribeira,
O repouso da vida festejando.
Que sente naquella hora derradeira ;

Eu que da minha já me vou cercando
Aqui quero cantar ( se cantar deve
Quem deve dentro d'alma andar chorando).

Adonde vai parar a vida breve,
Convertida a velhice em mocidade,
Huma pesada tanto, outra tão leve ?

Com quanta confusão se persuade
A nossa depravada natureza
A seguir a mundana vaidade?

Oh ! quão cega se deixa levar presa
Dum falso gosto seu, dum vão desejo !
Qual convertido em dor, qual em tristeza :

Eu do Lima me vim pastar ó Tejo;
Depois detrás da Serra nas salgadas
Agoas, que para mim tão doces vejo.

Ajudam-me a chorar culpas passadas ;
Das que se representam me defendem
Nas lapas, que por tempo tem lavradas.

As suas roucas ondas me reprendem
De não considerar taes aposentos,
Quaes levar, e lavrar sempre pretendem.

Convida-me a criar remordimentos
A limpeza daquellas penedias,
Mais limpas do que são meus pensamentos.

Em quantas cousas mais por tantas vias
Acho tantos motivos de afrontar-me
Por ser que todas mais de entranhas frias ?

Pôde quem tudo pôde melhorar-me,
Tanto no que pretendo, inda que indigno,
Que sinta de amor seu todo abrazar-me.

Suave, doce meu amor divino,
Aqui donde vim ter, como sabeis,
Acabar suspirando determino.

Suspiro porque nunca me deixeis
Apartar-me de Vôs hum só momento,
Nem já mais Vôs de mim vos aparteis.

Bem vos posso allegar merecimento
Da morte, e paixão vossa, antes da minha,
Da minha redempção, vosso tormento.

Inda vossa bondade me não tinha
Formado, Senhor meu, quando morrestes
Por me salvar na Cruz, que vos sostinha.

Alli, manso cordeiro, ofierecestes
Nas mãos dos cruéis lobos vossa vida,
Que tirada, tirar-lha não quisestes.

Abriram-vos no peito huma ferida ;
Quatro nos pés, e mãos, depois que estava
Vossa carne de açoutes já delida.

A piedade então donde morava
Aquella, que quebrou as pedras duras,
Que corações humanos não quebrava ?

Eis o sol perde a luz, fica ás escuras :
Rompe-se o véo do Templo ; a terra treme ;
Os mortos vivos saem das sepulturas.

Quem não chora, Deos meu, suspira, e geme !
O' quem de pura dor não arrebenta !
Quem toma mais na mão remo, nem leme !

Que me colha no mar huma tormenta,
Ficando a salvação posta em perigo,
Podendo lograr pobre vida isenta?

Desn' hoje mais parente, nem amigo
Me busque, nem me falle, nem me veja ;
Tanto me dá moderno como antigo.

Tudo me cansa já, tudo me peja,
E pouco basta já para soster
O pouco que da vida me sobeja.

A praia tem marisco que comer
Amêijoas, bribigões na branca arêa.
Que facilmente posso revolver.

A pedra que dos mares se rodea,
Chea de lapas pardas apparece,
De negros mixilhôes mda mais chea.

A vermelha santola não falece,
Outro com seu pé curto revirado.
Seu não, antes de cabra me parece.

E quando se mostrar muito alterado
O mar, que seu marisco me defenda,
O bosque está daqui pouco afastado.

Quer suba a planta nelle, quer se estenda,
Escolherei no ramo o mais maduro
Fructo sem damno alheo, e sem contenda.

E se caçar quiser eu pelo escuro
( Deixo na arribação dos passarinhos )
A pouco na pobreza me aventuro.

Que bem sei enlaçar pelos caminhos
Huns animaes que trazem na cabeça
Dois ramos cada qual cheios de espinhos.

E se na larga praia, ou mata espessa
O premio falecer do meu trabalho ;
Não temo que de cima me faleça.

Não me posso perder por este atalho;
Posto que tarde vou, que não perderão
Por tarde os desta vinha, em que trabalho,
Na qual os derradeiros precederão.

Frei Agostinho da Cruz

2 comentários:

João de Castro Nunes disse...

Da velhice retornar
aos tempos da juventude
tão-somente por virtude
de um milagre singular!

JCN

João de Castro Nunes disse...

Ninguém melhor que Agostinho
para em jeito de canção
nos indicar o caminho
que conduz à salvação!

JCN