Cinzas
Foi bom.
Uma máquina de coser com pedais. Ou seria um piano de pé, não me recordo. Era uma coisa antiga e tinha um som ritmado.
O relógio do fundo da sala escura ordenava a hora do lanche e o Sol ia-se embora, recolhia-se no seu refúgio de Inverno e nós lanchávamos torradas com manteiga.
Voltava no dia seguinte na janela do outro lado da casa, a pedir licença para entrar, tímido. E nós de mochila para a escola e o relógio da sala escura enquanto badalava apressado que eram horas de sair. Tocava tic –tac de saudades enquanto não estávamos, era o que nos diziam.
O Sol pôs-se de vez.
Foi para outro lado.
Encontrei-o depois noutra casa. Mas já não tinha relógio, nem piano, nem máquina de costura.
As torneiras tinham deixado de pingar o tempo compassadamente e eram cromadas.
O elevador calava o som dos passos apressados das crianças a descer as escadas a correr para ir para a escola.
Depois já não havia crianças.
Só sobravam as flores pintadas na jarra a servir de centro de mesa.
Até que também estas se desfolharam.
Quando se foram embora deixaram um montinho de cinzas no chão.
Texto inédito, de Jorge Casaca
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