Nicolas, “o vivo”*
Foto Paulo Jorge Figueiredo
Estando à frente de tantas marcas, usando no pulso, ao mesmo tempo, sempre mais do que um relógio, Nicolas Hayek é permanentemente confrontado com uma pergunta: qual é o seu preferido? E a resposta é sempre a mesma: “Pergunta-se a um pai de que filho gosta mais?”.
Este génio das finanças e do marketing, do conceito e da gestão, tem uma máxima: “para ter sucesso, a prioridade é o produto, em segundo lugar é o produto, e em terceiro lugar, é de novo o produto!”.
Nascido a 19 de Fevereiro de 1928 em Beirute, de mãe libanesa cristã descendente dos Cruzados, e pai americano, dentista e professor na Universidade Americana de Beirute, Nicolas Hayek fez a escola primária num colégio de freiras local e recorda que, com quatro ou cinco anos, quando uma das irmãs lhe pediu para recitar um poema, ele atirou, perante os colegas: “chamo-me Nicolas, o vivo, e tenho um coração de leão”. Matemático de formação, chegou a pensar ser físico nuclear, mas, já estabelecido na Suíça, era conselheiro financeiro de grandes instituições quando, em 1980, um sindicato de bancos helvéticos lhe colocou um desafio – salvar da morte anunciada todo o sector relojoeiro nacional, afogado em dívidas e ultrapassado pela vaga de relógios baratos e com movimento de quartzo que estavam a vir do Japão.
Hayek, que já então tinha adquirido nacionalidade suíça, usou uma estratégia bem “asiática” – combateu o inimigo com as armas dele, acrescentando-lhe as vantagens ocidentais. Inventou o conceito Swatch, um relógio de qualidade, com um design inovador, mas ao mais baixo preço possível. Para tal, diminuiu em cerca de 50 peças o “miolo” dos relógios, automatizou completamente a linha de produção. Ainda hoje, de um lado entra plástico de várias cores, em barra. Do outro, segundos depois, saem milhares de relógios a que falta só colocar a pilha.
O sucesso Swatch foi imediato e o relógio de pulso passou a ser um acessório de moda, a ser comunicado como um adereço, com colecções Primavera/Verão e Outono/Inverno. A loucura instalou-se, apareceram os coleccionadores e os clubes Swatch, os primeiros modelos valem hoje fortunas.
Com o dinheiro obtido com os Swatch, Hayek foi resgatando as dívidas bancárias de manufacturas tão respeitáveis como a Omega, a Longines ou a Tissot. E o mundo, de repente, começou a gostar de novo de relógios mecânicos (sem deixar de comprar os de quartzo). O império Swatch foi crescendo, passou à Alta Relojoaria, acenando hoje com um porta-estandarte como é a Breguet.
A Alta Relojoaria representa no Grupo Swatch apenas 1 por cento do número de peças vendidas – a Breguet produz entre 10 a 15 mil relógios por ano, tanto como a Swatch numa hora – mas representa entre 40 a 60 por cento do valor.
Figura incontornável no quotidiano do fechado e algo cinzento universo helvético, Hayek, que se diz amado pelas dezenas de milhares de operários e respectivas famílias a quem salvou o emprego, também se admite odiado por outros, principalmente fábricas que foram resistindo à onda Swatch mas que têm que comprar os seus movimentos e outros componentes a este amante de charutos cubanos, de quadros de Max Ernst, das obras de Victor Hugo.
Nicolas Hayek, um dos dez suíços mais ricos, número 145 na lista mundial de milionários da Forbes, com um património avaliado entre os 2,5 e os 3 mil milhões de euros, esteve no início do conceito do carro Smart, é consultor da Comissão Europeia para o projecto “Bruxelas Capital da Europa” e está empenhado em criar, juntamente com a Hewlett-Packard e a Microsoft o relógio do futuro – um misto de telefone, televisão e computador on-line à volta do pulso.
À beira dos 80 anos, desde 2003 que Haiek sénior passou o testemunho ao filho, Nikolas Hayek Júnior, antigo produtor de filmes, como Presidente do grupo. E dedicou-se a partir de então apenas à Breguet. Perante alguma estagnação na marca Swatch, o velho leão arregaçou de novo as mangas e, desde há meses, é o responsável de Marketing e de Produto do relógio que, embora sendo de quartzo, permitiu a salvação dos seus irmãos mecânicos.
*texto publicado por Estação Cronográfica em 2006, na revista Pública
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