Eça de Queiroz (1845 - 1900), escritor português, in Alves & Cia.
terça-feira, 15 de março de 2011
Meditações - típico tempo português
Nessa manhã, Godofredo da Conceição Alves, encalmado, soprando de ter vindo do Terreiro do Paço quase a correr, abria o batente de baetão verde, do seu escritório num entressolo da rua dos Douradores, quando o relógio de parede por cima da carteira do guarda-livros batia duas horas, naquele tom, cavo, a que os tectos baixos do entressolo davam uma sonoridade dolente, e cava. Godofredo parou, verificou o seu próprio relógio preso por uma corrente de cabelo sobre o colete branco, e não conteve um gesto de irritação vendo a sua manhã assim perdida, pelas repartições do Ministério da Marinha: e era sempre assim quando o seu negócio de comissões para o Ultramar o levava lá: apesar de ter um primo de sua mulher, diretor-geral, de escorregar de vez em quando uma placa na mão dos contínuos, de ter descontado a dois segundos oficiais letras de favor, eram sempre as mesmas dormentes esperas pelo ministro, um folhear eterno de papelada, hesitações, demoras, todo um trabalho irregular, rangente e desconjuntado de velha máquina meio desparafusada.
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