terça-feira, 18 de junho de 2013
Lisboa repica sinos e outros "apitos" na próxima sexta-feira
Os sinos são a voz do Tempo. A história da medição do Tempo está desde sempre associada aos sinos.
Lisboa vai fazer soar a sua voz na próxima sexta-feira, 21 de Junho. Os sons de sinos, embarcações, eléctricos e corporações de bombeiros vão criar um concerto inédito.
Mais de 15 igrejas, 25 embarcações, 6 eléctricos, 2 comboios e 6 corporações de bombeiros, com a interpretação a cargo de cerca de 100 músicos, vão dar um concerto inédito de sete minutos, com início às 22h00 desse dia.
Trata-se da iniciativa "Lisboa em Si" - Concerto inédito com os sons da cidade, organizada pela Câmara Municipal de Lisboa e pela Cooperativa "Fora de Si".
O objetivo é explorar as possibilidades musicais do anfiteatro natural de uma cidade à beira rio, recorrendo ao aproveitamento dos sons característicos da cidade, como os apitos de embarcações, viaturas de bombeiros e comboios, sinos de igrejas e campainhas de elétricos. Cerca de cem músicos irão interpretar uma peça original em direto, coordenados entre eles via rádio e espalhados pela zona ribeirinha da cidade.
Pela cidade, existirão diversos pontos de escuta privilegiados: miradouros da Graça, Santa Luzia e São Pedro de Alcântara, Castelo de São Jorge, Praça Camões, Praça do Comércio e passeio ribeirinho da Ribeira das Naus. No entanto, a organização assegura que o concerto será audível dentro do perímetro onde o evento vai decorrer, isto é, em toda a zona ribeirinha da cidade de Lisboa, delineada a este pela igreja de Santo Estêvão, a oeste pela igreja de Santa Catarina e a norte pelo Miradouro de S. Pedro de Alcântara.
Estação Cronográfica recorda, a propósito, dois textos que escreveu em tempos, um sobre os sinos e o seu papel no aviso de incêndio na capital, o outro sobre a relação entre o Ocidente, civilização do sino por excelência, e o Tempo.
Folha avulsa que se distribuía em Lisboa, no final do século XIX, com quadras alusivas às badaladas que se davam, em ocasiões de incêndio, nos sinos das igrejas.
Batem onze, Beato António, S. Vicente doze é, Se batem treze, é na Graça. Quatorze na velha Sé.
Ouvem-se quinze no Carmo, S. Nicolau mais uma é, Dezassete no Socorro E dezoito em S. José.
Tem a Pena dezanove, A Bemposta uma remate, S. Sebastião vinte e uma, Vinte e duas Moserrate.
Vinte e três Santa Isabel, Mais uma o Convento Novo, Necessidades vinte e cinco, Pr'a lá corre todo o povo.
Em S. Francisco de Paula São vinte e seis, mais nenhuma, Vinte e sete Santos-o-Velho, Os Paulistas têm mais uma.
Chegando depois às Chagas, Vinte e nove é lá o toque, Ouvindo depois as trinta, Dizem todos: é S. Roque.
Quando a bomba chega ao fogo, Principia a trabalhar: Vamos dar parte ao patrão, Que o prémio é para ganhar.
Os sinos e o silêncio
Se há denominador comum ao que se convencionou chamar de Ocidente, ele é o Sino. Objecto desde sempre ligado ao sagrado, o sino assume-se como “voz” do substrato cristão que, ainda durante o Império Romano, se vai estender até limites que hoje continuam a funcionar como fronteiras desse Ocidente: desde logo, a África, a sul; a Turquia e as planícies para lá dos Urais, a leste. Só na Ásia voltamos a encontrar os sinos como reguladores colectivos de ritmos e vivências.
O que é o sino? Acima de tudo, um marcador de tempo. De tempos, religiosos, primeiro. Usado entre as comunidades fechadas em mosteiros e conventos, foi desde cedo acoplado a torres de igreja. O seu som servia para regular, através de toques associados às Horas Canónicas, o dia normal de uma comunidade. Não apenas a comunidade de frades ou monges, mas também a comunidade de leigos que vivesse nas proximidades. Hora de levantar e de deitar, de rezar e comer. Em ocasiões especiais, o sino marcava com alarme as horas de aflição (incêndios, inundações, invasões) ou de pesar (enterros). Mas também de alegria (assinalando o final da Quaresma, o fim da Paixão).
Inicialmente, os sinos viveram sozinhos, pendurados em sítios altos, accionados de forma mais ou menos regular, e de forma manual, por religiosos que se orientavam por relógios de sol.
Depois, e não se sabe bem quando nem onde, apenas que terá sido no seio dessas comunidades religiosas em mosteiros e conventos, aos sinos foram sendo acoplados mecanismos que mediam o tempo – os relógios.
Os primeiros relógios não têm mostrador. Servem para “bater” as horas e não para as “mostrar”.
Com o desenvolvimento da técnica, os sinos que davam apenas horas, passaram a dar meias horas e quartos, em tons diferentes. E, depois, começamos a falar de carrilhões, com os mecanismos de relojoaria a accionarem, a pedido ou automaticamente, melodias religiosas de louvor a Deus e ao panteão cristão.
Para que os sinos pudessem funcionar, passou a ser necessário que os relógios também funcionassem. E que alguém lhes desse regularmente corda. Com os tempos, o sacristão ou o monge foi-se tornando “bem escasso” e, hoje em dia, em praticamente todo o Ocidente, os mecanismos de dar corda dos relógios acoplados a sistemas de sinos estão automatizados, electrificados.
Em Portugal, onde esse problema também se colocou, os relógios e os sinos foram sendo deixados, no último meio século, ao mais feroz abandono.
Se olharmos para as torres das igrejas, os relógios estão parados e os sinos não cantam. Ou… as rodas dentadas estão paradas, mas os ponteiros até andam, os sinos não se movem mas até parecem tocar. Nos bastidores há um circuito de quartzo a fazer andar o relógio e o som que se ouve é debitado por um altifalante, fruto de um programa informático, onde dezenas de melodias se armazenam. Nem o relógio nem o som têm “alma”.
Em alguns casos, os relógios já desapareceram ou deixaram de estar umbilicalmente ligados (através de cabos, travessas e martelos) aos sinos, deixando estes sós, tristes, sem jeito ou função. É o Tempo que está parado.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário