Est. June 12th 2009 / Desde 12 de Junho de 2009

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terça-feira, 3 de junho de 2025

Coisas do Ephemera - Os relógios Timex, Portugal e a luta dos trabalhadores, em 1974

A 12 de Junho de 1974, escasso mês e meio após o golpe militar que derrubou o regime de ditadura em Portugal, a Comissão de Trabalhadores da Timex (T.M.X.) lançava o primeiro número do seu jornal, “A Nossa Voz”, onde o último “O” era a imagem de um relógio de pulso. Um desses exemplares, que se anunciava quinzenal, acaba de chegar ao Núcleo do Tempo do Arquivo Ephemera, que coordenamos.

A luta por melhores salários, pelas 40 horas semanais e por um mês de férias, liderada pelo Sindicato dos Ourives e Relojoeiros, dominado pela extrema-esquerda, e contra o Partido Comunista Português (PCP), tinha levado à greve, a saneamentos, e posterior ocupação da fábrica, num processo que foi noticiado além-fronteiras, nomeadamente no jornal francês Liberation, e deu azo a um livro. (Fazendo lembrar o Processo LIP, que ocorreu em França, no contexto do Maio de 68).

O jornal Revolução, órgão do Partido Revolucionário do Proletariado – Brigadas Revolucionárias (PRP-BR) dava a primeira página da sua edição de 14 de Junho de 1974 ao depoimento de um ex-militante do PCP, onde este relatava o ambiente que se vivia na Timex.


(arquivo Fernando Correia de Oliveira)

A luta tinha-se iniciado em Fevereiro de 1974, ainda em ditadura, e levou a uma manifestação dos trabalhadores, maioritariamente mulheres, a 4 de Junho desse ano, junto ao Ministério do Trabalho.

A unidade de produção da multinacional norte-americana Timex no Monte da Caparica, Almada, era na altura o 25º exportador do país.

Na Tese de Mestrado, defendida na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, sobre “A introdução do relógio mecânico emPortugal”, escrevemos:

A multinacional Timex instala-se em 1970 no Monte de Caparica, Almada, com uma sofisticada linha de produção de relógios mecânicos de pulso. O pessoal é maioritariamente feminino. A importância da unidade industrial para o país reside nas empresas que se formam à sua volta, e que fornecem, entre outros, instrumentos de precisão como nunca antes se tinham fabricado em Portugal. A micromecânica relojoeira tinha, finalmente, chegado. Mas a agitação laboral, iniciada mesmo antes do 25 de Abril de 1974, atinge níveis de autogestão e saneamento dos quadros nos meses seguintes a essa data. E a Timex deixa de fabricar relógios no final dos anos 1970.

[...]

Será preciso esperar por 1970 para que o país tenha a sua grande experiência fabril relojoeira. A multinacional norte-americana Timex instala-se então no Monte de Caparica, dando emprego a milhares de operários(as). As peças vinham todas do exterior, ali apenas se montavam os relógios de pulso, de movimento mecânico ou de quartzo, que eram exportados, na sua quase totalidade.

Dá-se o 25 de Abril de 1974 e a Timex tem de enfrentar um aguerrido Sindicato de Ourivesaria, Relojoaria e Correlativos do Sul, que estava politicamente nas mãos da extrema-esquerda maoista. Os cerca de cinco mil associados deste sindicato coordenam uma luta interna dos trabalhadores da multinacional, dando origem ao chamado “Caso Timex”, que até deu direito à publicação de um livro [13]. A fábrica, tal como era, deixou de produzir relógios em 1977. Passou a montar computadores, da pioneira Sinclair, mas também isso viria a ser abandonado. A Timex mantém hoje em Portugal apenas actividade comercial e representa várias outras marcas.

Pedro Esteves, que foi director industrial na Timex Portugal, nos anos 80, já na fase dos computadores, recorda que, nos anos 70, “todas as empresas que produziam em massa instalaram-se em países onde a mão-de-obra era barata e onde havia uma certa estabilidade político-económica.

“Havia mais fábricas da Timex instaladas na Europa, nomeadamente na Escócia, na França e suponho que na Alemanha. Portugal era um dos locais onde existia uma fábrica de relógios mecânicos da Timex porque tinha uma mão-de-obra barata. Já na altura Portugal beneficiou da importação de tecnologias do exterior. Não esqueçamos que o grande benefício da vinda de empresas para Portugal, para além da mão-de-obra, era trazer novas tecnologias, que nalguns casos acabavam por desenvolver alguma actividade industrial de raiz portuguesa. Esse aspecto verificou-se também quando começámos a produzir os computadores”, refere este quadro nacional, em testemunho recolhido em 2003. [14]

“A Timex trouxe grandes benefícios em termos tecnológicos, do ponto de vista da execução de ferramentas e de máquinas de precisão, em termos daquilo a que se chama cunhos e cortantes. A Timex teve então uma das maiores oficinas da Europa em termos de produção de ferramentas de precisão. Essas ferramentas eram feitas cá e enviadas para as restantes fábricas da Europa para a produção de peças de precisão dos relógios mecânicos”, recorda.

“Actualmente as grandes empresas de cunhos que foram fundadas ainda estão na posse dos funcionários que na altura com o desmantelamento dessa actividade transitaram da Timex. Alguns fundaram as suas próprias empresas. Uma das empresas mais conhecidas em que isso sucedeu é a Rigorosa, em que o dono ou fundador da altura veio desse chamado tool room da Timex.

“As instalações que foram feitas para a produção de relógios eram tecnologicamente muito avançadas para a época e em Portugal talvez não houvesse nada semelhante. Os ambientes eram controlados, não eram clean rooms como temos actualmente na produção de semicondutores, mas tinham características muito parecidas. Estamos a falar de relógios mecânicos em que um grão de poeira era um factor perturbador do seu funcionamento e, como alguém dizia na altura, o grau de limpeza, de reciclagem e de purificação do ar era de tal forma que as pessoas podiam comer no chão. Ninguém entrava para a área fabril sem uma bata vestida na antecâmara e havia um conjunto de regras. Fazia-se o controlo do número de poeiras por polegada quadrada. Inicialmente o relógio era feito de raiz, mais tarde a incorporação era apenas ao nível de montagem final e comercialização.

“O perfil típico dos trabalhadores era o de operariado sem treino, composto maioritariamente por pessoal feminino. A mão-de-obra estava dividida entre os técnicos responsáveis pela manutenção de todo o processo produtivo e havia o tool room, que era constituído por pessoal masculino”.

O investimento Timex foi o primeiro, único e último no sector da indústria relojoeira mecânica fina em Portugal, tendo deixado de produzir relógios de pulso em 1977. E os pólos de produção de relojoaria grossa ou média não sobreviveram ao século XXI.

[13] O Caso Timex - Crise do sistema capitalista internacional? Consequência do processo político português? Edição do Sindicato das Indústrias de Ourivesaria, Relojoaria e Correlativos do Sul sobre a luta dos trabalhadores portugueses da multinacional Timex entre Dezembro de 1975 e Agosto de 1976, primeiro por aumentos salariais, depois pela manutenção dos postos de trabalho. “Este conflito laboral é aqui apresentado como exemplar da política expansionista das grandes multinacionais e do modo como exploram a força de trabalho dos que nelas se empregam, aproveitando-se do desequilíbrio económico das nações hospedeiras e implantando-se em regiões do globo que melhor a sirvam.” O Correio da Manhã de 6 de Abril de 2017 inclui uma reportagem sobre a Timex no Monte de Caparica. Algum do espólio dessa fábrica de componentes para relojoaria fina encontra-se hoje no Museu da Cidade, em Almada.















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