terça-feira, 6 de setembro de 2016
Relógios & Canetas online Setembro - quando os Portugueses introduziram o relógio mecânico no Japão
Sabia que Portugal, através dos padres da Companhia de Jesus, Portugal foi o introdutor da relojoaria mecânica no Japão? Este e outros artigos disponíveis aqui, aqui ou aqui (clicar em edições mensais), na edição de Setembro do Relógios & Canetas online. Esta é a plataforma digital em língua portuguesa dedicada à Relojoaria, Joalharia, Instrumentos de Escrita e outros Objectos de Luxo.
Portugal na origem da relojoaria mecânica japonesa
Fernando Correia de Oliveira, em Tanegashima e Tóquio
Os portugueses chegaram em 1543 ao extremo sul do arquipélago japonês, Tanegashima, trazendo consigo dois instrumentos revolucionários – a espingarda, acontecimento que ainda hoje é celebrado na zona, em festival anual; e o relógio mecânico…
Em 1551, aquando da chegada de São Francisco Xavier ao Império do Sol Nascente, a estratégia foi semelhante à usada em Macau: o missionário levava, entre vários presentes para impressionar os senhores locais, um relógio.
Deu esse relógio a Yoshitaka Ohuchi, daimio (governador local) de Suo – o nome antigo da parte mais oriental da que é hoje a Prefeitura de Yamagushi.
Uma célebre delegação de jovens príncipes japoneses à Europa, para visitar o papa (e que passou por Lisboa, numa altura em que Portugal já tinha perdido a independência para Espanha), levou consigo no regresso um relógio para o shogun (chefe militar, a verdadeira sede do poder no Japão feudal), Toyotomi Hideyoshi. Outros relógios mecânicos se seguiram, quase sempre através do Padroado Português do Oriente ou, o que queria dizer quase o mesmo, dos jesuítas.
O mais antigo relógio existente no Japão é um oferecido por essa altura pelo monarca peninsular, Felipe II, ao shogun Tokugawa Ieyasu – encontra-se actualmente no santuário de Toshogu, no monte Kuno, Prefeitura de Shizuoka.
Mas, o caso mais interessante será o de João Rodrigues, jesuíta português que viveu muitos anos no Oriente e que foi uma personagem fascinante. Privou com os shoguns da altura, granjeando-lhes a confiança e a simpatia, servindo-lhes de intérprete.
Homem de múltiplos talentos, Rodrigues ajudaria a fundar, por volta de 1600 uma escola vocacional, o “Seminário”, em Shiki, na ilha de Amakusa, Prefeitura de Nagasaki (cidade aliás fundada, do zero, pelos jesuítas). Nessa escola, Rodrigues dirige, auxiliado por outros religiosos, um curso de relojoaria, ensinando aos jovens nipónicos a fazerem igualmente órgãos e equipamento astronómico.
Ora, isso foi o início da manufactura de relógios no Japão. Um dos discípulos mais dotados, Tsuda, torna-se o relojoeiro do daimio de Owaki, e depois chefe de todos os relojoeiros da província. A família Tsuda exercerá o mister de relojoeiro até meados do século XIX.
Da Relação anual das coisas que fizeram os padres da Companhia de Jesus nas suas Missões nos anos de 1600 a 1609, do padre Fernão Guerreiro, podemos ainda citar dois trechos (do período entre 1607 e 1609), relacionados com a relojoaria e o papel que os portugueses tiveram na sua introdução no Japão. Nas duas há referência ao padre João Rodrigues, “Tsusu”, o nome por que era conhecido entre os gentios:
“... o qual padre [João Rodrigues], logo que chegou, foi visitar o Cubo [daimio], para o informar na verdade do que passou, entre os portugueses e japões, no negócio da nau, de que o Cubo não estava bem informado; e juntamente lhe levou de presente, da parte do padre provincial, um relógio de dar horas, que o Cubo muito desejava, para o pôr numa das torres da sua fortaleza de Fuximi, o qual juntamente mostrava os movimentos do Sol e da Lua, e sinalava os dias dela”. Perante este presente, “... o Cubo ficou muito satisfeito...”
“...porque o padre João Rodrigues se foi dali, por mar, a ver as minas de prata do reino de Yzzú, conforme ao que o Cubo desejava; e ao irmão Paulo, Japão, mui conhecido naquela corte, deteve o Xogun nela por alguns dias, para lhe concertar e armar em uma torre um relógio de dar horas, que por nossa via se lhe fizera na cidade de Nangazaque; […] ”.
Em 1614 começam as perseguições aos cristãos e, com o shogun Tokogawa, os missionários e comerciantes estrangeiros são expulsos. O Japão ficará completamente fechado até meados do século XIX. A relojoaria nipónica será assim um caso curioso, cristalizado no tempo, por falta de contactos com os desenvolvimentos técnicos que, entretanto foram surgindo.
Os relógios ocidentais (suíços, franceses, ingleses, alemães) exportados no século XIX para o Oriente eram adaptados nos mostradores (com numerações e outros sinais locais), mas tinham uma outra particularidade: eram sempre vendidos aos pares, para o caso de avaria. É que não havia quem os arranjasse localmente, fosse na China ou no Japão, e uma viagem de ida e volta à Europa demorava nessa altura um ano ou mais.
Em Tóquio, no Museu Seiko, podem apreciar-se exemplares destes e de outros relógios mais antigos.
(fotos Fernando Correia de Oliveira)
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