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domingo, 1 de junho de 2014

O relógio Leroy 01, chave para os segredos da Regaleira - ficção inédita de José Movilha


Sobre António Augusto de Carvalho Monteiro temos investigado e escrito regularmente, no que se refere ao seu interesse por relógios, nomeadamente a célebre encomenda que fez à casa francesa Leroy, para um relógio de bolso considerado à altura, final do século XIX, início do século XX, "o relógio mais complicado do mundo".


Ora, o Leroy 01, como é conhecido, e que está hoje no Museu do Tempo, de Besançon, serviu de inspiração a José Movilha, para um conto ainda inédito, de que aqui lhe deixamos o início.


Em cima e em baixo, o Leroy 01, numa exposição recente, no Museu do Tempo, de Besançon



(arquivo Fernando Correia de Oliveira)

Estação Cronográfica promete que acompanhará o processo criativo de Movilha e disso dará aqui conta - haverá um duplicado do Leroy 01, chave de todos os mistérios?

EM BUSCA DO TEMPO, NUM JARDIM INICIÁTICO ...

( pré-publicação de excerto de conto )

Tudo começou quando o senhor B.A. conhecido filantropo e coleccionador de arte, especialmente de instrumentos antigos de medição do tempo, e relógios raros, me procurou para me agradecer ter-lhe fornecido elementos sobre o que se afirma ser o mais antigo instrumento de medição do tempo. Eu tinha-lhe evitado uma enganosa intenção de compra e o pagamento de uma quantia exorbitante, dado que o vendedor de arte egípcia o Mâlik, com casa aberta na zona chique do Restelo, pretendia que o objecto que transaccionava, remontava à época das antigas dinastias egípcias e tinha um valor altíssimo.Ora o instrumento em causa que realmente existiu no séc. XX a.C. , era no original em madeira, e nunca poderia, por mais bem conservado que estivesse, chegar aos nossos dias. Este, de que falamos, era datado do século XVI e esteve muito em voga no reinado de D. Manuel I , mestre Gil Vicente entretinha-se a fabricar uma réplica deste instrumento e a experimentá-lo nas suas horas diurnas de tomada de apontamentos e vistas ao banho dos Elefantes indianos frente à Casa das Índias, e às maravilhas da onça de caça equilibrada na sela do belo corcel branco oferta do rei de Ormuz a El Rei Venturoso.

Compunha-se o instrumento de duas réguas de madeira, uma horizontal e outra transversal, sendo esta última ligada ao topo da primeira por uma altura de madeira de cerca de um palmo. Colocado o instrumento ( que era amovível e transportável), no chão, projectava uma sombra na régua horizontal onde estavam marcados o nome de cinco horas. Ao meio dia o instrumento ficava preenchido sendo virada a sua posição para a contagem das restantes horas diurnas. O meu cliente tinha ficado muito sensibilizado com a minha atitude de não o deixar fazer um mau negócio, e a partir dessa data consultava-me sempre que almejava adquirir qualquer peça de raro valor cultural e histórico.

Ora desta vez o objectivo que o meu cliente me pedia era o de localizar e comprar por qualquer preço o célebre Leroy 01, o mítico e precioso relógio que Augusto Carvalho Monteiro, o edificador dos Jardins Iniciáticos e do Palácio da Quinta da Regaleira, tinha em 1897 mandado fazer em Bençason na célebre "horlogerie" de mestre Leroy.

Esta obra prima, o mais famoso relógio do mundo à data, tinha custado 20.000 francos, quatro anos de trabalho intenso para o finalizar . O relógio ganhou o grande prémio da Exposição Universal de Paris em 1900.

No ano seguinte aquando de uma visita do rei D.Manuel II , também ele cliente da casa Leroy, foi pedido ao monarca a gentileza de ser portador da peça para entrega a Carvalho Monteiro, o que o rei aquiesceu pois o abastado homem de negócios era visita do Paço.

Disse ao meu cliente( e penso de que ele saberia do que ia falar-lhe): "que o relógio estava no Museu do Tempo em Besançon, pois tinha sido adquirido aos herdeiros de Carvalho Monteiro em 1955". O meu cliente sorriu misteriosamente, e disse-me: " isso é o que as pessoas que vivem no tempo do dia a dia pensam, a realidade é outra "...

"Foram feitos dois relógios, iguais como duas gotas de água, indistinguíveis até por especialistas da matéria; só que um deles considerado o original (isto é uma confidência a que peço o maior sigilo e resguardo e só lha revelo por ser também um iniciado), tem na caixa em ouro desenhada por Manini e cinzelada por Bodin em Paris, uma diferença de um grau entre os signos do Carneiro e do Touro, e uma combinação criptográfica que accionada ao mecanismo de uma das suas várias propriedades refere o céu no hemisfério boreal, no momento do dia, indicando o transito sideral, o que resulta que avançando 3' e 56'' por dia sobre o tempo médio teremos uma representação do céu de Lisboa com 560 estrelas, o que permite ficar na posse da coordenada estelar da qual se pode tirar o azimute para o local onde, nos Jardins Iniciáticos, estão guardados os arquivos secretos da Regaleira.

E possivelmente, tudo indica, os livros codificados: o Livro Secreto da Crisopeia dos últimos Mestres Rosacruzes ; o Confessio, a Fama Fraternitatis e as Bodas Químicas de Chistian Rosenkreutz, a par de outros tesouros de raridade esotérica ". Eu olhava com profunda atenção para o meu cliente e interlocutor, dando-lhe o maior crédito, pois sabia que ele era Cavaleiro Benfeitor da Cidade Santa e já tinha passado pelos maiores cargos na vetusta e prestigiada Ordem que seguia os preceitos de Hiram Abiff.

E continuou B.A. :" não lhe parece estranho que nunca fossem encontrados documentos sobre a edificação da Regaleira, planos, esboços, medidas, planeamento da escolha de símbolos, orientações astrológicas ? E que tudo, ou quase tudo que existe, na " Library of the Congress" em Washington D.C., espólio comprado aos herdeiros nos anos trinta do séc.XX, se refira somente a alguns interesses esotéricos de Carvalho Monteiro ? Nada sobre jardins e criptas, especialmente criptas, medidas do edificado e levantamento do subsolo dos jardins!...Que haja percursos como a gruta iniciática que parecem dizer que para além daquelas pedras há outros segredos ? Pois bem!... Isto não é mais do que o início de um processo que nos vai abrir as portas do tempo em relação aos mistérios do Palácio da Regaleira e seus percursos iniciáticos.

Durante o fim da tarde e a noite pensei em tudo isto com profunda reflexão.Claro que esta missão me cativava e não me era estranho os meandros da sua envolvência, pois não só tinha alguns elementos sobre a aprimorada máquina do tempo, como todo o complexo dos Jardins Iniciáticos o do Palácio da Regaleira faziam parte das minhas pesquisas esotéricas.

Coloquei então em vários jornais de grande circulação um anuncio redigido de uma forma algo misteriosa, com o propósito de afastar os profanos, e por outro lado despertar o interesse de quem soubesse destas matérias. Dizia assim: «EXPERIENTE COLECCIONADOR DE RELÓGIOS DE TODAS AS ÉPOCAS E ESTILOS, PRETENDE ADQUIRIR RELÓGIO PREMIADO NA GRANDE EXPOSIÇÃO UNIVERSAL DE PARIS (1900). SE PEÇA AUTENTICA MUITAS PROBABILIDADES DE NEGÓCIO DADA A GENEROSIDADE DO COMPRADOR. PEDE-SE AINDA O FAVOR DE QUE NÃO RESPONDA QUEM TENTAR QUALQUER SIMULAÇÃO DA PEÇA ORIGINAL.»

Resposta a - Beatriz - 515 - il Velttro

Coloquei propositadamente no fim, enigmática frase de resposta, serviria de alguma selecção, que seria entendida por cultores dos estudos esotéricos da Regaleira, e passaria despercebida aos profanos nestes assuntos. Passados alguns dias levantei do apartado, volumosa correspondência que me apressei a abrir.

Da banalidade do acervo epistolar se iam fazendo as horas, e já desesperava de qualquer validade e interesse, quando abri uma das poucas cartas que restavam: numa caligrafia fina e de traça algo medieva, podia ler-se o seguinte: « AO QUARTO DIA DO SOLSTÍCIO, NA HORA MAIOR, DIRIJA-SE JUNTO AO ZIGURAT ; DEPOIS NO BANCO QUE LEMBRA BEATRIZ, ENTRE O 515 E OS GALGOS, ENCONTRARÁ O TEMPO DA SUA PRETENSÃO» «Calmo na falsa morte a nós exposto,/o Livro ocluso contra o peito posto,/ Nosso Pai Roseacruz conhece e cala»

MESTRE DO TEMPO - ABRAXAS

Não obstante alguma dúvida sobre a missão de que estava encarregado, bastaria o cunho desta resposta missiva, com uma clara alusão ao poema de Fernando Pessoa - No Túmulo de Christian Rosenkreutz, "conhece e cala", para me despertar o interesse de aceitar o desafio e estar presente nos Jardins Iniciáticos da Regaleira, nesse quarto dia depois do Solstício às 12 horas, junto ao Zingurat.

Quase no destino, a brisa de Sintra era cativante e era exuberante e promissora de acariciar a verdejante paisagem de hortênsias que se misturavam como em paleta de aguarelas que ladeavam os metros finais da estrada.

Entrei pelo lado do Patamar dos Deuses, parava sempre um pouco entre Orfeu e a Fortuna, caminhando dirigi-me depois em direcção ao Zigurat no Terraço dos Mundos Celestes, o silêncio era absoluto, só os pássaros se ouviam, se entendesse a sua linguagem poderia passar a outros patamares da iniciação. Possivelmente estava a ser observado. Dirigi-me para o banco de pedra, gravado com os símbolos «515» ou IL messo di Dio(« O Mensageiro de Deus»), il Velttro, os galgos vigilantes que ladeiam a figura de Beatriz a condutora /iniciadora de Dante, o anuncio do Tempo da Terceira Idade, a do " Evangelho Eterno". Ao centro do banco, por debaixo da figura, um saco de couro, propositadamente meio aberto, deixava ver o que parecia um objecto metálico. Bani toda a ansiedade possível e peguei no objecto, era uma ampulheta muito bela, talvez tão bela como as de Alepho ou as de Solimão. Curiosamente não estava em contagem e os seus cristais permaneciam inertes na parte superior.

O espaço foi cortado pelo grasnado de um corvo, o pássaro da vigilância. Eu ansiava chegar ao meu laboratório para sossegadamente apreciar aquele artefacto do tempo. "Como teria apreciado o meu misterioso e oculto interlocutor os meus gestos ? Seguramente teria seguido os meus passos e todos os meus movimentos". - pensei, enquanto já no laboratório observava aquele tão antigo objecto de medição do tempo.

Curiosamente os cristais de uma cor verde marinho não se desprendiam independentemente de eu os fazer agitar um pouco. Reparando melhor na cinta de latão da parte superior vi entalhados vários símbolos entre o anel que parecia rodar e a parte de baixo, propus-me alinhá-los e quando tal aconteceu suavemente começou a contagem. Satisfeito, esperei, pensando em tudo o que tinha acontecido nessa tarde. De tal maneira entretido a olhar o horizonte, desviei durante muito tempo os olhos da misteriosa descoberta.

Um ligeiro cheiro perfumado, que me pareceu olíbano parecia vir do objecto. A medição daquele tempo estava esgotada. Qualquer mecanismo tinha actuado junto aos anéis superiores abrindo-se umas ranhuras em forma de triângulo por onde se desprendia a fragrância, ocorreu-me à lembrança as misteriosas lanternas Rosacrucianas que se mantinham acesas durante séculos no interior das Criptas.

Peguei na parte superior, e então aquela espécie de tampa desprendeu-se pondo a descoberto o que parecia um pequeno rolo de pergaminho.

Peguei-lhe trémulo, desdobrei-o, uma letra semelhante ao manuscrito da resposta, dizia: « ABOMINAÇÃO DESOLADORA do Profeta Daniel , SERÁ O FIM DESTE TEMPO E O PRINCÍPIO DE OUTRO , PROCURA NA CIDADE ONDE REPOUSA AQUELE QUE DESENHOU A CAIXA DO QUE PROCURAS - Festna Lente( Apressa-te devagar) - MESTRE DO TEMPO - ABRAXAS

Não havia dúvidas, a mensagem era clara, seriam porfiados os tempos de procura e indagação que conduziam a Bréscia na Itália, onde havia um vasto acervo de Manini, que talvez dissesse muito sobre os segredos do Leroy 01 e os arquivos secretos.

Até lá, o generoso patrocinador da busca do Leroy 01 e interessado mecenas, o senhor B.A, teria, como na divisa da mensagem, de apressar-se devagar e com o maior dos porfiados cuidados.

José Movilha

2 comentários:

João de Castro Nunes disse...

É produto a Regaleira
da velha maçonaria
onde tudo é fantasia
arvorada em verdadeira!

JCN

o pequeno servo do Senhor... disse...

Também eu meu amigo sou fã do Leroy 01 (que pena já não estar em Portugal) confesso que fiquei sedento de ler o resto, ... E como seria bom existirem 2 relógios que se completassem, aguardo o resto da leitura em breve, um abraço
Alexandre