O que nos faz falta? Mesmo? Mesmo? A mim? O calor do gato no colo ao ler o livro, a alegria da cadela no passeio diário, a gargalhada sem explicações com os amigos. O mar. A mesa com comida feita no fogão ali ao lado e a conversa sem tempo para acabar. Dançar. Ir ao mercado e sentir o aroma dos coentros. Ter uma conversa com a peixeira. Tirar o peixe do saco ao chegar a casa. cozinhar a ouvir muitos dos discos de que que gosto. Virar a poltrona para a janela e ler enquanto descanso os olhos em quem passa e esquecer que o que faço é trabalho. O meu pai com tantas coisas que me disse e ficam para sempre -- já sei que são para sempre, em mim. O riso dele. A minha mãe cada vez mais surda e independente ao telefone. O corpo é frágil, mas está viva e de cabeça boa, alegro-me. O resto já sei... ou nunca saberei. Nunca saberei o que é ter a falta de alguém com quem se viveu mais de cinco décadas. Caminhar pela cidade. Saber que posso sair, voar, mas que afinal agora não posso. Saudades de abraços. Ter muitas vozes de quem gosto sempre comigo, uma frase apropriada a cada momento, porque tive sábios e sábias à minha volta desde que nasci, os que sabem porque escutam e olham. As conversas longas, à mesa, sim, ou numa esplanada ao sol, perto do mar. E a imensidão da neve branca, tão silenciosa que abafa tudo e promete a eternidade. E o tempo, falta o tempo, tempo. Há maior luxo do que o tempo para um copo de vinho sem pensar que ele vai acabar? Lembro o gira-discos depois do disco acabar, a agulha a chiar. A seguir há mais música. Não sei se se ouve em Marte.
Isabel Lucas 18 de Fevereiro de 2021
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