Mas uma realidade misteriosa que nos emerge desde sempre, o Tempo, tem sofrido ao longo da História alterações de percepção subtis, causadoras de mudanças na estrutura de pensamento que levam depois a grandes revoluções culturais, económicas, sociais.
O registo do Tempo – como sucessão de fenómenos passados, presentes e futuros – é uma preocupação que pode ter começado há 20 mil anos, quando os caçadores da Idade do Gelo faziam buracos em paus ou ossos, possivelmente para calcular os dias entre fases de lua.
Só com a agricultura, porém, e a respectiva sedentarização, o Tempo passou a ter um carácter cíclico claro, de calendário, e os alinhamentos megalíticos de há 8 mil anos podem ter querido assinalar os ciclos anuais do Sol e da Lua, para fins religiosos, mas também para semear e colher.
Os verdadeiros calendários só surgiram há 5 mil anos, entre as civilizações da Babilónia e do Egipto, ainda com fins religiosos e agrícolas. Mas o Tempo, em todos estes casos, não passava de uma realidade local, lenta e ciclicamente sentida.
No séc. XIII, a invenção do relógio mecânico, no Ocidente, iniciou uma revolução cujo impacto ainda hoje se faz sentir. Como sublinha o historiador norte-americano David S. Landes no seu livro Revolution in Time: Clocks and the Making of the Modern World, “foi o relógio mecânico que tornou possível, para o bem e para o mal, uma civilização atenta à passagem do tempo, e por isso à produtividade e à performance”.
Por outras palavras, precedendo a Revolução Industrial, o relógio mecânico deu a esta a superstrutura ideológica necessária – tempo é dinheiro, especialmente nas sociedades Protestantes – para o sucesso.
E, de repente, o tempo local passou, por meio de novos meios de comunicação – transportes, telégrafo, rádio – a ser nacional, continental, depois global. O advento da Internet tornou esse efeito ainda mais generalizado – tudo acontece, em todo o lado, ao mesmo tempo. O que estamos a ver nos antípodas provoca-nos sentimentos que nunca teríamos ou só teríamos muito mais tarde, filtrados por relatos e apreciados em segunda mão.
Hoje, vemos tudo, sentimos tudo. Aos instintos atávicos de sobrevivência e convivência, passam a juntar-se conhecimento e sentimento imediato, num caudal inédito, e num Tempo recorde, feito de instantes, que não dá para pensar e “digerir”. Com custos que ainda não sabemos avaliar, o Tempo triunfou sobre o Espaço.
In A Máquina do Tempo, suplemento Casual, do Semanário Económico de 31.08.07
In A Máquina do Tempo, suplemento Casual, do Semanário Económico de 31.08.07
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