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terça-feira, 6 de março de 2018

Agências Noticiosas - Heróis Anónimos


A 6 de Março de 1974, há exactamente 44 anos, iniciávamos na agência Noticiosa ANI, a carreira de jornalista. Em cima, fotografia desses primeiros tempos, nas instalações da Praça da Alegria, em Lisboa. Sobre isso veja aqui ou aqui.

Acaba de sair o terceiro e último volume sobre a história das agências em Portugal, da autoria de Wilton Fonseca, Mário de Carvalho e A. Santos Gomes - Heróis Anónimos.


Para essa obra, fizemos o seguinte depoimento:

Os desks e a formação

O grupo de jovens licenciados ou estudantes universitários que fortaleceu nos primeiros anos de 1970 os quadros da ANI alargou-se ainda mais depois de 1974 e da mudança de regime no país. Todos eles entraram por concurso, tendo prestado provas de Português e do domínio da língua inglesa. Nessa altura não havia curso superior de Jornalismo e estes jovens eram provenientes das faculdades de Letras e de Direito.

Com a entrada de José Manuel Barroso para a Direção de Informação, uma das suas primeiras preocupações foi "dar mundo" a esta geração de jornalistas sem formação. Mediante acordos com agências noticiosas congéneres como a espanhola EFE, a francesa AFP, a inglesa Reuterse a alemã DPA, esse grupo de jovens teve a oportunidade de fazer estágios profissionais nas redações dessas agências. Por outro lado, foram feitos protocolos ou incentivada a participação em estágios patrocinados por instituições como o português Instituto de Imprensa (próximo da Administração norte-americana), o francês Centre Internacional desÉtudiantsetStagiaires (CIES) e as fundações alemãs Friedrich Ebert (ligada aos sociais-democratas do SPD) e KonradAdenauer (ligada aos democratas-cristãos da CDU).

Entre outros, beneficiaram desses estágios, a partir de 1978, jornalistas como Ana Glória Lucas, João Pinheiro de Almeida, Cecília Magalhães, Artur Margalho, Juís Paixão Martins e eu próprio. Com estadias em França, Bélgica, Alemanha ou Estados Unidos.

Na redação, em Lisboa, houve também cursos de formação ministrados por jornalistas da AFP ou da DPA.

Todos os estagiários verificaram que a organização interna das agências tinha dois pilares que não existiam então na agência de notícias portuguesa - um Livro de Estilo e os chamados desks.

O Livro de Estilo - num momento em que Portugal atravessava uma situação política revolucionária ou pós-revolucionária - foi um instrumento fundamental para que o material saído da ANOP ganhasse uma credibilidade e uma independência que, apesar das naturais vicissitudes de percurso, ainda hoje seja a matriz da sua sucessória histórica, a LUSA.

Para a feitura do Livro de Estilo, a inspiração básica veio do seu homólogo existente na norte-americana AssociatedPress, com outros contributos, especialmente do da francesa AFP.

Fiz parte da Comissão de Redação do primeiro Livro de Estilo da Agência, que terá sido também o primeiro do seu género num órgão de informação português. Editado em livro, passou a fazer parte do currículo do curso de Jornalismo que entretanto se criara na Universidade Nova de Lisboa.

Para fazer cumprir as regras do Livro de Estilo havia a natural hierarquia da redação, mas percebeu-se que a criação de um desk era essencial para agilizar o seu cumprimento e regular o fio de noticiário de um órgão como a agência noticiosa - a funcionar 24 sobre 24 horas, todos os dias do ano.

Para a equipa do primeiro desk foram escolhidos jornalistas "com mau feitio", dispostos a aplicar inexoravelmente as regras que estavam no Livro de Estilo, indiferentes a pressões dos redatores, dos editores ou até mesmo do chefe de redação ou da Direção de Informação. Dois nomes que me ocorrem, bons exemplos dessa ortodoxia que por vezes nos irritava, mas que era garante último do cumprimento das regras - Luís Paixão Martins e Luciano Rocha.

Além de fiscalizar as regras básicas de "pirâmide invertida" (um texto de agência, bem construído, pode ser cortado, do fim para o início, até ao primeiro parágrafo, o lead, sem que perca lógica ou os principais elementos da notícia) e de zelar pelo tamanho do lead (os "mágicos" 35 caracteres), o desk passou a controlar e a uniformizar a maneira de escrever em Português os nomes estrangeiros. Outra função essencial do Desk foi a de dar código de prioridade às notícias, fazendo com que umas saíssem antes de outras, que as mais urgentes interrompessem mesmo alguma que estivesse a sair. Também aqui se gerava alguma tensão entre as várias editorias.

A ANOP teve apenas um desk, mas a NP já teve desks diferenciados. Depois de um estágio na agência Reuters, em Paris, onde acompanhei o dia-a-dia da cobertura dos mercados financeiros e da Bolsa, fundei na Notícias de Portugal o primeiro serviço de Economia por assinatura.

Quanto à formação, não poderia deixar passar aquela que terá sido a maior operação de todas. Com a criação da LUSA, em Janeiro de 1987, já fazendo eu parte da Direção de Informação, chegou-se à conclusão de que a rede de correspondentes nacionais estava envelhecida ou incompleta. Propus no seio da Direção de Informação o lançamento de uma operação à escala nacional de recrutamento de estagiários de jornalismo, com vista a serem correspondentes da agência.

Foram colocados anúncios nos jornais para potenciais interessados. Houve milhares de respostas. Era preciso tratar então de uma logística complicada.

Contactei o Ministério da Educação e consegui que fosse aberta uma escola por capital de distrito, num sábado ou num domingo, para que os candidatos pudessem prestar as provas de Cultura Geral nesses espaços.

Eu tinha acabado de comprar um carro e propus que fosse nele - mais rápido e seguro que as Renault 4L que a agência tinha - fazer o périplo pelas capitais de distrito do continente. Em um mês as provas estavam feitas e eu tinha feito uma volta a Portugal continental. Ao volante do meu Alfa Romeo 33 1.5 TI, participando nesta inédita operação, o Adelino Namorado dos Vultos, motorista da Agência, uma figura que marcou gerações de jornalistas com a sua peculiar forma de guiar, o seu humor, a sua boavontade para resolver qualquer problema. Sozinho, desloquei-me depois ao Funchal e a Ponta Delgada, para supervisionar o mesmo tipo de provas.

Selecionados dois candidatos por distrito, avançámos para uma candidatura a um programa de Formação Profissional pelos fundos europeus. Esse programa foi aprovado. Tinha a direção pedagógica de Alberto Arons de Carvalho.

Era agora preciso garantir um espaço em Lisboa, para onde trazer os dois candidatos selecionados de cada um dos 20 distritos, onde o curso de jornalismo seria ministrado. Contactei o Secretário de Estado das Pescas da altura, que nos cedeu a Escola de Pescas de Pedrouços. E, assim, nas férias escolares dessa escola, no Verão de 1988, cerca de 40 jovens provenientes de todo o país frequentaram em regime de internato aulas ministradas por mim, por João e Luís Pinheiro de Almeida, Luís Marinho e Mário Moura (os elementos da Direção de Informação chefiada por Oliveira e Silva), com elementos de fora da agência, como Edite Estrela e o já referido Arons de Carvalho.

O curso foi um êxito. Dos formandos desse Pedrouços, a maioria (88) entrou para a rede de correspondentes da agência, muitos deles estão ainda hoje nos seus quadros ou singraram para outros órgãos de comunicação social.



Na Redacção da ANOP, na Rua Júlio de Andrade, em Lisboa

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