Correm rios, rios eternos por baixo da janela do meu silêncio. Vejo a outra margem sempre e não sei porque não sonho estar lá, outro e feliz. Talvez porque só tu consolas, e só tu embalas e só tu carpes e oficias.
Que missa branca interrompes para me lançar a bênção de te mostrar sendo? Em que ponto ondeado da dança estacas, e o Tempo contigo, para do teu parar fazeres ponte até minha alma e do teu sorriso púrpura do meu fausto?
Cisne de desassossego rítmico, lira de horas imortais, harpa incerta de pesares míticos — tu és a Esperada e a Ida, a que afaga e fere, a que doura de dor as alegrias e coroa de rosas as tristezas.
Que Deus te criou, que Deus odiado pelo Deus que se fez o mundo?
Tu não o sabes, tu não sabes que o não sabes, tu não queres saber nem não saber. Despiste de propósitos a tua vida, nimbaste de irrealidade a teu mostrar-te, vestiste-te de perfeição e de intangibilidade, para que nem as Horas te beijassem, nem os Dias te sorrissem, nem as Noites te viessem pôr a lua entre as mãos para que ela parecesse um lírio.
Desfolha ó meu amor sobre mim pétalas de melhores rosas, de mais perfeitos lírios, pétalas de crisântemos (...) cheirosas à melodia do seu nome.
E eu morrerei em mim a tua vida, ó Virgem que nenhum abraço espera, que nenhum beijo busca, que nenhum pensamento desflora.
Bernardo Soares / Fernando Pessoa in Livro do Desassossego
segunda-feira, 24 de outubro de 2016
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