Tudo lhe doía
de tanto que lhes queria:
a terra e o seu muro
branco de tristeza,
um rumor adolescente,
não de vespas
mas de tílias,
a respiração do trigo,
o fogo reunido na cintura,
um beijo aberto na sombra,
tudo lhe doía:
a frágil e doce e mansa
masculina água dos olhos,
o carmim entornado nos espelhos,
os lábios
instrumentos da alegria,
de tanto que lhes queria:
os dulcíssimos melancólicos
magníficos animais amedrontados,
um verão difícil
em altas camas de areia,
a haste delicada de um suspiro,
o comércio dos dedos em ruína,
a harpa inacabada
da ternura,
um pulso claramente pensativo,
lhe doía:
na véspera de ser homem
na véspera de ser água,
o tempo ardido,
rouxinol estrangulado,
meu amor: amora branca,
o rio
inclinado
para as aves,
a nudez partilhada, os jogos matinais,
ou se preferem: nupciais,
o silêncio torrencial,
a reverência dos mastros,
no intervalo das espadas,
uma criança corre
corre na colina
atrás do vento,
de tanto que lhes queria,
tudo tudo lhe doía.
Eugénio de Andrade (1923 - 2005)
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