Est. June 12th 2009 / Desde 12 de Junho de 2009

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segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Meditações - Muitas culturas não pensam da mesma forma o tempo

Todos nós humanos vivemos no mesmo mundo e temos experiências semelhantes. Por isso, todas as línguas faladas no planeta possuem as mesmas categorias básicas para expressar ideias e objetos — refletindo essa experiência humana comum.

Essa noção foi defendida por anos por diversos linguistas, mas para o linguista americano Caleb Everett, quando analisamos os idiomas mais de perto, descobrimos que muitos conceitos básicos não são universais e que falantes de línguas diferentes veem e pensam o mundo de forma diferente.

Em um novo livro, baseado em muitas línguas que ele pesquisou na Amazônia brasileira, Everett mostra que muitas culturas não pensam da mesma forma o tempo, o espaço ou os números.

Algumas línguas têm muitas palavras para descrever um conceito como tempo. Outras, como a Tupi Kawahib, sequer tem uma definição de tempo.

[...]

BBC: No seu livro, você dá o exemplo de uma frase em inglês com muitas referências ao tempo: “Na segunda-feira passada eu corri por meia hora, como eu faço todas as semanas”. Você disse que algumas das línguas que estuda não têm todos os recursos para enquadrar o tempo dessa forma. Já outras têm sete tempos verbais. Essas línguas são menos ou mais sofisticadas do que as que estamos acostumados?

Everett: Você vê idiomas que talvez prestem atenção ao tempo e às maneiras que nós não fazemos.

Se você tiver na sua língua apenas passado, presente ou futuro, quando você estiver falando, basta indicar se foi em um desses três tempos.

Mas se você tem sete tempos que podem incluir algo como passado muito distante ou um futuro muito distante, então você deve prestar atenção a esses aspectos temporais e talvez a formas mais sutis.

BBC: Em que idioma foi isso?

Everett: É uma linguagem chamada yagua [falada na Amazônia peruana]. Embora existam muitas línguas que possuem cinco ou seis tempos, há algumas que não possuem nenhum tempo verbal.

Uma das línguas que trabalhei na Amazônia, Karitiana, tem dois tempos: futuro e não futuro. Essa é uma língua falada no Estado de Rondônia. Esse é um sistema de tempo bastante comum. Mas o exemplo que você lembrou, sobre uma corrida que fiz de 30 minutos ontem ou na semana passada. Vamos pensar sobre essa frase. O que são 30 minutos? Minutos é algo muito definido cultural e linguisticamente. O minuto vem de um sistema numérico de base 60 que remonta à Mesopotâmia, e é por isso que dividimos a nossa hora 60 — e depois dividimos novamente para ter segundos. São coisas culturais muito arbitrárias que aprendemos, e parecem naturais para nós à medida que aprendemos a contar as horas.

Mas é realmente antinatural para muitas pessoas.

Então você pode imaginar se estiver conversando com um amazônico que nunca topou com o conceito de horas, minutos ou semana, que também é culturalmente construída. Há tantas tradições culturais muito específicas incorporadas apenas nessa frase que impactam como pensamos.

Pense no quanto o seu dia é ditado olhando os relógios e pensando onde você tem que estar em um determinado horário e em determinados minutos. Isso tudo é arbitrário.

Muitas culturas prescindem completamente destas noções. Estas coisas são codificadas na linguagem aprendida pelas crianças desde cedo, que moldam a forma como pensamos sobre a passagem do tempo. E isso parece totalmente natural para nós até que você seja confrontado com alguém para quem esses conceitos sejam totalmente antinaturais e você percebe "este é um humano inteligente e eles não precisam desses conceitos.”

Isso não quer dizer que eles sejam inúteis. Acho que são muito úteis, mas são úteis no nosso contexto cultural. E são apenas uma maneira diferente de pensar sobre o mundo. Eles não são “a” maneira de pensar sobre o mundo.

BBC: Vamos pegar, por exemplo, o idioma que você mencionou que tem sete tempos. O que você percebe que é diferente na maneira como eles pensam ou na forma como sua sociedade é?

Everett: Parte disso, eu diria, é arbitrário.

Mas o que alguns pesquisadores tentaram fazer é um teste experimental: será que estas diferenças linguísticas têm impacto na forma como as pessoas pensam sobre o tempo em geral, mesmo quando não estão falando?

E há uma boa quantidade de evidências agora de que isso acontece.

Como no exemplo do futuro estando à sua frente no passado, atrás de você.

Há uma boa quantidade de evidências experimentais agora de que, mesmo quando as pessoas nessas línguas estavam, o passado está à sua frente e o futuro está atrás de você, há uma boa quantidade de evidências de que as pessoas pensam sobre o tempo de maneira diferente, mesmo quando elas não estão falando.

Experiências básicas mostraram que quando as pessoas falam sobre o futuro em algumas destas línguas, elas apontam para trás, e quando falam sobre o passado, apontam para a frente, enquanto os falantes de inglês fazem o inverso.

Tendemos a pensar que estamos caminhando em direção ao futuro, enquanto para muitas dessas culturas é o contrário. E se você pensar bem, faz sentido. Porque você pode ver o passado. Você vê o que comeu no café da manhã. Você sabe o que aconteceu ontem. Mas o futuro é meio desconhecido para nós, então esse tipo de metáfora básica de visão e ver o passado, não ver o futuro, é a base de como as pessoas pensam sobre o tempo. E algumas dessas culturas e essa forma de pensar sobre o tempo surge mesmo em contextos não linguísticos. [...]

Extrato da entrevista concedida à BBC Brasil. Para ver na íntegra, aqui.

 

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